7.20.2009

Quando o Rio queria ser Paris

Nessa belíssima composição da Revista Life vemos uma muitíssima bem cuidada Quinta da Boa Vista num dos seus pontos mais conhecidos, o lago.

José Castello

16.01.2006 | Parece muito distante, hoje, é quase um conto de fadas, o “Rio Europeu” imaginado por parte expressiva da elite carioca, na virada do século 19 para o 20. Sonho que, de certa forma, se concretizou com a reforma urbana liderada, entre 1902 e 1906, pelo prefeito Pereira Passos, esforço que visava transformar a cidade em uma pequena Paris. Eliminando cortiços, alargando ruas e avenidas, e atraindo investimentos estrangeiros, ele deu origem ao mito da Cidade Maravilhosa, que os governantes de hoje se empenham, ofegantes, em sustentar.

Era uma idéia que, já naquela época, não combinava com a realidade, e que teve como estratégia secreta a eliminação dos miseráveis e a ocultação da pobreza. Uma quimera que, ainda assim, mudou a face do Rio de Janeiro e que se transformou no grande tema dos cronistas da virada do século. Tempo de grandes cronistas, como Machado, Carlos de Laet, Raul Pompéia e o poeta Olavo Bilac, fundadores de um gênero que, mais tarde, seria praticado, entre outros, por Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade.

Este sonho de um Rio Parnasiano, com todas as contradições que comporta, é o grande tema de Olavo Bilac em suas crônicas, que de resto tratam também de grandes homens como Julio Verne, José do Patrocínio e Eça de Queiroz, e de temas universais como o suicídio, a longevidade e o vício literário. Crônicas que se oferecem aos governantes de hoje, quem sabe, como vacina contra suas invencionices e quixotadas. Elas ganham, agora, um volume especial na Coleção Melhores Crônicas, da Global Editora, dirigida por Edla Van Steen (“Melhores crônicas de Olavo Bilac”, seleção e prefácio de Ubiratan Machado, Global Editora, 192 páginas, R$ 28,00).

A destruição do passado

Fala-se em Bilac e logo lembramos do “príncipe dos poetas”, o grande líder do movimento parnasiano, que propunha, contra a literatura realista e naturalista, um retorno à herança clássica, erguendo, no lugar da desagradável realidade e suas imperfeições, os ideais europeus do Belo e da perfeição. Mas Bilac foi, além de poeta, um cronista inspirado. Começou a escrever crônicas em 1897, aos 32 anos, como substituto de Machado de Assis no posto de cronista dominical da “Gazeta de Notícias”. Publicou crônicas, ainda, na “Cidade do Rio” e no “Diário Mercantil”, de São Paulo.

A geração de Bilac experimentou uma grande aceleração do tempo, uma agitação inédita na história do país. Passou pela abolição da escravatura, pela proclamação da República, e pelos primeiros governos republicanos. Viu o Brasil crescer e se modernizar. Bilac retratou a Belle Époque carioca, que tinha como utopia um Rio regido pela beleza, pela limpeza, pela higiene e pelo equilíbrio. Ele escreveu crônicas até falecer, em 1918.

O sonho parnasiano, mesmo em uma cidade que não tinha mais que 700 mil habitantes, era, porém, inábil e exagerado. Para construir o novo Rio, para implantar ousados projetos de urbanização, saneamento e higiene, grande parte da herança arquitetônica e do passado foi destruída. Em seu lugar, as modas efêmeras, os arremedos do estilo europeu, os exageros de retórica passaram a dar as cartas e a distinguir as reputações.

As crônicas de Bilac revelam a posição ambígua que muitos intelectuais tiveram diante do sonho urbano parnasiano. Como bom príncipe do Parnaso, Bilac admirava o equilíbrio clássico e a cultura européia. Ainda assim, ele soube criticar os exageros, as manias, as poses geradas pela onda modernizadora. Como cronista, exercitou um humor leve e delicado e, ao contrário de Machado de Assis, sempre evitou o sarcasmo e a ironia. Enquanto Machado foi um cronista crítico, que fez da ironia uma arma para desmontar a pose alheia, Bilac foi um impressionista, um homem que se detinha nas impressões e nas sensações, mas que nunca perdia a delicadeza.

Apesar de suas oscilações de humor (ele mesmo se classificava como um “neuraustênico”) e das dificuldades que enfrentou por conta disso em sua vida pessoal, o poeta foi, em geral, um otimista que, entre outros arroubos cívicos, se engajou com entusiasmo em campanhas como as da vacinação e a do serviço militar obrigatório - de que o Exército o transformou, depois, em patrono.

Em suas crônicas, ele debocha da gente elegante do Rio que, nas noites abafadas, enfrentava uma maratona de corridas, regatas, o corso e os bailes e, para não perder a pose, chegava sempre exausta, na manhã seguinte, ao trabalho. Estar na moda, acompanhar a velocidade dos novos dias, cansava muito. De um amigo, que cochilava no escritório, ele ouve e registra o desabafo: “O Rio de Janeiro é atualmente uma cidade que morre de sono!” Fardo de uma elite que, precisando ganhar o pão de cada dia em horário comercial, à noite devia cumprir o ritual da nova moda.

O favorito das platéias

Outra tradição das elites que Bilac se apressa a criticar é a nova tendência irrefreável à oratória, inclinação, na verdade, de herança nordestina, como observou muitos anos depois o poeta João Cabral de Melo Neto; mas que parece ter encontrado no Rio parnasiano seu cenário ideal. A crônica tem um título saboroso: “A eloqüência de sobremesa”. Sempre interessado em classificar a desordem do mundo, Bilac escreve: “A bebida do orador político é o champagne; a do orador dos clubes, é o vinho do Porto”. Mas nenhum deles o empolga.

Ele confessa, então, que seu orador preferido era certo comendador que, ao ser eleito presidente de uma sociedade beneficente e recreativa, prometeu à platéia um discurso notável de posse. Antes dele, doze oradores discursaram, e o comendador os ouviu em profundo silêncio. Quando chegou sua vez, assombrou a platéia com uma declaração viril: “Eu cá nunca fui orador! Comigo, é pão-pão, queijo-queijo...”

Não se pode esquecer, contudo, que o próprio Olavo Bilac se tornaria depois, também, o príncipe dos conferencistas. Graças a seus dotes retóricos, ele foi escolhido, em 1906, secretário-geral da 3a Conferência Pan-Americana. Quando a moda das conferências literárias se espalhou pela cidade, arrastando multidões para os salões do Instituto Nacional de Música, o poeta logo se tornou o favorito das platéias. “O público tem os seus conferencistas preferidos”, escreve Ubiratan Machado em seu prefácio. “Olavo Bilac, com a sua voz empostada, bela dicção e talento de ator, supera a todos”.

Fascinado pelo mundo europeu - é em Paris que Bilac, para fugir de uma depressão, se refugia por dois meses em 1916, indiferente ao início da primeira grande guerra -, o príncipe do Parnaso carioca, ao ver a cidade devastada pelo Bota-Abaixo, sofre, ele também, de saudosismo. Dedica uma de suas crônicas, por exemplo, ao Grito de Sogra, um vagabundo que, durante anos, perambulou pela Avenida Central e que, certo dia, o poeta se dá conta, desapareceu. “Desapareceu o último dos nossos velhos tipos de rua”, ele se lamenta. “Já lá se foram o Vinte e Nove, o Tangerina, o Pai da Criança, o Caxuxa, sem falar dos velhíssimos, como o Castro Urso, o Natureza e o Oba.”

Bilac viu o Grito de Sogra, pela última vez, em plena Avenida, “ao sol da tarde, muito velho, muito sujo, muito murcho, vendendo balões de borracha”. Entristecido, lamenta que o Rio tenha banido de suas ruas essas figuras exóticas (que ele vê, na verdade, mais como personagens de romance de que como seres de carne e osso). “Daqui a pouco aparecerão outros”, consola-se, o eterno otimista. “Não há cidade que não possa viver sem os seus tipos de rua, sem as suas celebridades grotescas, ou sérias”. O desaparecimento do Grito de Sogra lhe inspira, ainda, uma amarga reflexão a respeito da transitoriedade: “Daqui a um mês, já ninguém se lembrará do Grito de Rua; daqui a cem anos, já ninguém se lembrará de nós - ó meus companheiros de fugaz nomeada, ó poetas, ó políticos, ó artistas, ó agitadores de idéias”.

Uma raça de namoradores

Com delicadeza, mas sem esconder sua simpatia, Bilac debocha do namorador de esquina, tipo carioca que “encostado ao lampião do gás, com o olhar erguido para uma janela”, se dedica a admirar sua musa. “Nós somos uma raça de namoradores”, diz o poeta que, em seguida, se põe a classificar a linhagem de galanteadores que se espalha pelo Rio parnasiano, divididos por ele entre o “namoro de bonde”, o “namoro de sala”, o “namoro de rua”, o “namoro à janela”, entre outros. Tipos, eles também, fadados ao desaparecimento.

Mas o saudosismo de Bilac se fixa, sobretudo, nos restos do Rio Imperial, na cidade elegante da Corte e da pompa, na nobreza expulsa pela República. Um dia, ele sente saudades da palmeira real que D. João VI plantou no Jardim Botânico. Apressa-se em visitá-la. Ao vê-la, se pergunta por que motivos poetas ainda não cantaram sua glória centenária. Bilac encara o progresso com pessimismo. É sem espanto, por exemplo, que ele vê, na cidade que se moderniza, a sobrevivência das antigas cartomantes. “Há quem pense que, com o progredir da civilização, diminui o número de supersticiosos”, escreve. “Completa ilusão. Nunca houve tantos supersticiosos e tantas superstições como agora”.

Olha com desconfiança, também, as novas modas e manias - como a do café-cantante. “Tereis notado, certamente, que, em menos de seis meses, o Rio de Janeiro ficou abarrotado de teatrinhos equívocos”, escreve. “Não há rua, por mais esconsa, por menos freqüentada, que não possua o seu café-cantante”. Toda aquela velocidade e volatilidade não combinam com os ideais pétreos do classicismo, que está sempre pronto a defender. Cheio de si, ele vocifera: “Ai! Vamos ver quanto há de durar a nova mania! E, depois desta, que outra virá?”

Em outra crônica, Bilac, agora menos amargo, exalta o gosto antigo dos cariocas pela dança, que nem os novos ventos europeus puderam apagar. “Nós somos um povo que vive dançando”, ele diz. Mas, sempre apegado ao equilíbrio e à clareza, o poeta se apressa em classificar a dança que, a seu ver, varia de bairro a bairro, nunca é a mesma. “Dançai, rapazes e raparigas! A vida é curta, o mundo é mau, o dinheiro anda arisco, a carne custa os olhos da cara, e a morte é certa”, ele escreve, em um desabafo no qual a alegria e o pessimismo se tornam uma coisa só.

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