8.01.2009

Entrevista: Leo Gandelman

Leo Gandelman (Foto: Livio Campos/ Divulgação)

MATURIDADE MUSICAL

O saxofonista Leo Gandelman comemora 21 anos de carreira solo com álbum Sabe Você, unindo música instrumental e vozes de ícones da Música Popular Brasileira

Por Ramon Mello

Precoce, aos 15 anos Leo Gandelman já tocava flauta doce como solista na Orquestra Sinfônica Brasileira, sob a regência do maestro Isaac Karabtchevsky. Filho de maestro e pianista clássica, Leo estudou por dois anos na Berklee School of Music, nos Estados Unidos. Mas aos 17 anos trocou a música pela fotografia, até se apaixonar pelo saxofone – passando a dedicar a vida ao instrumento.
Tendo iniciado a carreira solo em 1987, Leo Gandelman comemora 21 anos com o álbum Sabe Você, unindo música instrumental e vozes de ícones da Música Popular Brasileira, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento e Ney Matogrosso, entre outros. “Cheguei à maturidade musical, posso me comunicar com o público de uma forma diferente”, comemora o músico, que já produziu as cantoras Gal Costa (Plural, 1990) e Marina Lima (Virgem, 1987).
O novo trabalho é composto por baladas, músicas populares acompanhadas do sax solitário de Gandelman. “Baladas são músicas com espaço, bastante espaço, para a respiração e o sentimento. É música com calma, muita calma. E, repito, há um grande espaço para o sentimento”, define o saxofonista. No CD/DVD, Caetano reforça o coro da presença da emoção musical, arriscando outra definição: “Balada é uma forma de poesia”.
Em paralelo a carreira de Leo, está seu filho, Miguel Gandelman, com 26 anos e experiência de veterano. “Ele está morando em Los Angeles. Recentemente ele tocou na posse do Obama, acompanhando o Stevie Wonder, Sting e Beyoncé. E ele integrou a banda da Christina Aguilera na última turnê mundial”, derrete-se Leo, pai orgulhoso.
NO CD/DVD SABE VOCÊ, INTÉRPRETES COMO CAETANO, CHICO BUARQUE E NEY MATOGROSSO FORAM CONVIDADOS A CANTAR MÚSICAS DE PARTIR O CORAÇÃO, BALADAS, ACOMPANHADO SEU SAX. COMO SURGIU A RELAÇÃO PALAVRA COM A MÚSICA INSTRUMENTAL NO SEU TRABALHO?Primeiro, tenho que ressaltar, esse projeto é um trabalho comemorativo dos 21 anos de carreira solo. Fiz meu primeiro disco em 1987. É um projeto muito especial. Eu sempre tive, há anos, o desejo de realizar um trabalho com baladas. Esse disco está na minha cabeça desde que entreguei o meu disco Radamés e o Sax em 2006. As músicas que escolhi para gravar estavam perdidas em algum lugar dentro de mim, pois faziam parte da minha vida. Praticamente, músicas de cabeceira. Posso citar várias baladas do John Coltrane, Miles Davis, Bill Evans, músicas que eu ouvia antes de dormir. E isso me remeteu a músicas da MPB que eu gostava. Então, fiquei imaginando músicas brasileiras dentro desse ambiente jazzístico, minimalista, acústico. Inicialmente era um projeto instrumental, mas quando pensei no cantor entendi que poderia falar com um público que normalmente não iria prestar muita atenção a música instrumental.
O QUE VOCÊ DEFINE COMO ‘BALADAS’?Baladas são músicas com espaço, bastante espaço, para a respiração e o sentimento. São músicas que tem profundidade. São músicas que não estão baseadas no beat, na batida, na subdivisão rítmica. Há um espaço muito grande para o intérprete. É música com calma, muita calma. Mais do que pelo andamento, a balada se define pela ausência de subdivisões. É um momento importante para o músico tocar, viajar. E, repito, um grande espaço para o sentimento.
VOCÊ OUVE BASTANTE MÚSICA POPULAR?
Hoje em dia, sinceramente, não ouço muita música pop. Embora eu esteja exposto a ela, como todos são. Mas já trabalhei muito com música pop. Como músico, tenho a tendência a ouvir mais a música do que a letra. A música sempre me chamou mais a atenção, a letra vinha junto.
MAS NESSE TRABALHO, VOCÊ CONVIDOU O LIRINHA, VOCALISTA DO CORDEL DO FOGO ENCANTADO, PARA LER O POEMA SÃO DEMAIS OS PERIGOS DESSA VIDA, DE VINÍCIUS DE MORAES. COMO É A SUA RELAÇÃO COM A LITERATURA? O QUE VOCÊ LÊ?Já tive relação direta com alguns poetas, trabalhando em projetos de outros artistas. Mas a minha intenção nunca foi correr atrás do lado literário da música. Sou muito franco em dizer, que a letra sempre foi uma conseqüência da música para o meu trabalho. Não que eu seja fechado, já produzi Marina Lima, Gal Costa, Lulu Santos, o Nico Resende… Eu já toquei com quase todo mundo da MPB. Tenho uma história ligada à música com letra. Sobre leitura, o que mais gosto de ler são biografias!
EM 2007, VOCÊ FEZ UM TRABALHO DEDICADO AO MAESTRO E COMPOSITOR A RADAMÉS GNATALI, QUE GANHOU O PRÊMIO TIM DE MELHOR CD INSTRUMENTAL. POR QUE A HOMENAGEM AO RADAMÉS?Radamés completou o centenário de nascimento em 2007, e sem dúvida ele deixou um grande legado de composições para instrumentos, tanto da música clássica como a música popular. Ele fez concerto para gaita, harpa e, principalmente, privilegiou o sax. Radamés ajudou a colocar o saxofone no mapa da música brasileira, ele escreveu muito para o sax. O Radamés e o Sax procura mostrar a valorização que ele deu ao saxofone. O Radamés também era concertista e pianista, fez trilhas para muitos filmes. É uma homenagem ao grande mestre da música brasileira. Ficou um trabalho lindíssimo com a direção musical do Henrique Cazes, tenho muito orgulho de ter feito.
VOCÊ ESTÁ PRODUZINDO EM HOMENAGEM AO TROMPETISTA MARCIO MONTARROYOS?Estou terminando de produzir um disco-póstumo do Marcio Montarroyos, um dos pioneiros da música instrumental no país, meu amigo. São músicas originais que ele não chegou a lançar. Vamos lançar em breve, ainda neste primeiro semestre.
SEU DISCO SOLAR (1990) FOI O MAIS VENDIDO. QUANTAS MIL CÓPIAS?O Solar chegou a quase 100 mil cópias, foi uma marca muito bacana para um trabalho instrumental.
COMO VOCÊ LIDA COM O AVANÇO DA TECNOLOGIA COM A PRODUÇÃO MUSICAL?
A evolução digital é inegável. De certa forma, houve uma democratização dos meios de produção. Ou seja, se você tem um computador, já existe um estúdio – ficou acessível a qualquer um. Poucos artistas tinham acesso a um estúdio, tinha que se passar por uma série de aprovações para poder se chegar a um estúdio profissional. Mas também há o lado ruim da ‘democratização’: a banalização total da produção artística. Isso vai desde copy paste de um texto até a exibição de um vídeo na rede. Hoje em dia para se fazer um produto ‘artístico’ não é preciso de nenhum tipo de formação, às vezes nem talento é necessário.
COMO FUNCIONA O SEU PROCESSO DE CRIAÇÃO? VOCÊ USA O COMPUTADOR?
Sim, uso o computador para guardar idéias e desenvolver minha pré e pós-produção. Mas na hora de gravar, chamo os músicos. Tenho um estúdio construído especialmente para gravações ao vivo. Quem quiser conhecer é só visitar
VOCÊ ACABOU DE FAZER A TRILHA SONORA DO FILME BUDAPESTE, BASEADO NO LIVRO DE CHICO BUARQUE, COM DIREÇÃO POR WALTER CARVALHO. FALE UM POUCO SOBRE ESSE TRABALHO.
Foi um desafio muito grande fazer essa trilha. Foi interessante que em algumas peças do filme, como Réquiem de Verdi, o Turandot, Sonata p/ piano #9 de Beethoven e outras, trabalhei com samplers. Não havia condições de se chamar uma orquestra, então segui para a releitura dos arranjos originais com samplers eletrônicos. Acho que desta maneira, conseguimos criar uma linguagem própria!
VOCÊ É FILHO DE UM MAESTRO E UMA PIANISTA CLÁSSICA, COMO ISSO INFLUENCIOU SEU TRABALHO? Eu comecei com a música clássica. Costumo dizer que a música foi mais um destino do que uma opção porque nasci numa casa de musicistas. A música fazia parte da família, e eu e minhas irmãs tínhamos um grupo chamado Pró-Arte Antiqua, com o qual fizemos diversas apresentações durante a nossa infância/adolescência. Esse processo de aprendizado musical foi muito natural para mim, fazia parte de minha criação. Depois, parei com a música porque não via um futuro profissional para mim. Eu não queria ser um professor de música clássica.
VOCÊ CHEGOU A LARGAR A MÚSICA PARA SE DEDICAR À FOTOGRAFIA?
A fotografia eu comecei na escola, aprendi muito. A criação no papel em branco me encantava. A criação no fundo é isso preencher: o espaço em branco, o mergulho no vazio. Foi muito importante eu ter passado pela fotografia, pois eu entendi o que queria fazer com a música. Foi um processo de libertação muito grande.
AOS 15 ANOS, VOCÊ JÁ TOCAVA COMO FLAUTISTA DA ORQUESTRA SINFÔNICA BRASILEIRA?
Sim, nos Concertos para a Juventude. Eu toquei o concerto de Brandemburgo sob a regência de Isaac Karabtchevsky. Logo depois, aos 17 anos, fui trabalhar como fotógrafo. E voltei para a música aos 20 anos, já com o saxofone. Foi com o sax que vi a possibilidade de criar meu próprio caminho musical, o meu estilo. Essa descoberta que motivou a minha volta para a música. Larguei tudo para me dedicar ao instrumento. Estudei aqui no Rio e, em seguida, fui para Boston na Berklee School of Music. Em 79, voltei ao Brasil e comecei a acompanhar Artistas primeiro na noite e depois em estúdios. E essa é minha vida em 30 segundos. (RISOS)
SEU FILHO, MIGUEL GANDELMAN, QUE TAMBÉM É SAXOFONISTA, PROSSEGUE A CARREIRA NO EXTERIOR?É, fico muito feliz. Ele está morando em Los Angeles. Recentemente ele tocou na posse do Obama, acompanhando o Stevie Wonder, Sting e Beyoncé. Ele integrou a banda da Christina Aguilera na última turnê mundial, e agora, no Grammy, acompanhou Stevie Wonder e Jonas Brothers. Ele está perseguindo um sonho desde criança. Confesso que ele foi mais longe do que eu poderia imaginar. A gente conversava muito sobre o futuro, é maravilhoso ver o presente!
VOCÊ ACOMPANHA A PRODUÇÃO DOS MÚSICOS MAIS NOVOS? Sim. Há músicos muito bons, uma galera nova com alto índice de proficiência e profissionalismo. O que aconteceu de bacana na minha carreira é saber que influenciei muita gente. Isso é muito gratificante. Quando encontro com meninos que se dedicam em estudar o meu trabalho, vejo a responsabilidade da profissão. Inclusive, peço desculpas (RISOS).

Deixem Jesus em paz

JUCA KFOURI

Está ficando a cada dia mais insuportável o proselitismo religioso que invadiu o futebol brasileiro

MEU PAI , na primeira vez em que me ouviu dizer que eu era ateu, me disse para mudar o discurso e dizer que eu era agnóstico: "Você não tem cultura para se dizer ateu", sentenciou.
Confesso que fiquei meio sem entender. Até que, nem faz muito tempo, pude ler "Em que Creem os que Não Creem", uma troca de cartas entre Umberto Eco e o cardeal Martini, de Milão, livro editado no Brasil pela editora Record.
De fato, o velho tinha razão, motivo pelo qual, ele mesmo, incomparavelmente mais culto, se dissesse agnóstico, embora fosse ateu.
Pois o embate entre Eco e Martini, principalmente pelos argumentos do brilhante cardeal milanês, não é coisa para qualquer um, tamanha a profundidade filosófica e teológica do religioso. Dele entendi, se tanto, uns 10%. E olhe lá.
Eco, não menos brilhante, é mais fácil de entender em seu ateísmo.
Até então, me bastava com o pensador marxista, também italiano, Antonio Gramsci, que evoluiu da clássica visão que tratava a religião como ópio do povo para vê-la inclusive com características revolucionárias, razão pela qual pregava a tolerância, a compreensão, principalmente com o catolicismo.
E negar o papel de resistência e de vanguarda de setores religiosos durante a ditadura brasileira equivaleria a um crime de falso testemunho, o que me levou, à época, a andar próximo da Igreja, sem deixar de fazer pequenas provocações, com todo respeito.
Respeito que preservo, apesar de, e com o perdão por tamanha digressão, me pareça pecado usar o nome em vão de quem nada tem a ver com futebol, coisa que, se bem me lembro de minhas aulas de catecismo, está no segundo mandamento das leis de Deus.
E como o santo nome anda sendo usado em vão por jogadores da seleção brasileira, de Kaká ao capitão Lúcio, passando por pretendentes a ela, como o goleiro Fábio, do Cruzeiro, e chegando aos apenas chatos, como Roberto Brum.
Ninguém, rigorosamente ninguém, mesmo que seja evangélico, protestante, católico, muçulmano, judeu, budista ou o que for, deveria fazer merchan religioso em jogos de futebol nem usar camisetas de propaganda demagógicas e até em inglês, além de repetir ameaças sobre o fogo eterno e baboseiras semelhantes, como as da enlouquecida pastora casada com Kaká, uma mocinha fanática, fundamentalista ou esperta demais para tentar nos convencer que foi Deus quem pôs dinheiro no Real Madrid para contratar seu jovem marido em plena crise mundial. Ora, há limites para tudo.
É um tal de jogador comemorar gol olhando e apontando para o céu como se tivesse alguém lá em cima responsável pela façanha, um despropósito, por exemplo, com os goleiros evangélicos, que deveriam olhar também para o alto e fazer um gesto obsceno a cada gol que levassem de seus irmãos...
Ora bolas!
Que cada um faça o que bem entender de suas crenças nos locais apropriados para tal, mas não queiram impingi-las nossas goelas abaixo, porque fazê-lo é uma invasão inadmissível e irritante.
Não mesmo é à toa que Deus prefere os ateus...

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