6.28.2009

DVD Eric Clapton e Steve Winwood: ecos dos anos 1960 que ainda duram


Antônio Carlos Miguel

RIO - A homenagem a Jimi Hendrix, numa longa e intensa versão de "Voodoo Chile", perto do fim do show, já vale por esse "Live from Madison Square Garden", editado em DVD e CD pela Warner. Mas o encontro dos sexagenários Eric Clapton (64 anos) e Stevie Winwood (61 anos) rendeu muito mais, grande música, atemporal e sem ranço nostálgico, de duas figuras fundamentais para o rock.
Clique aqui e confira a música 'Can't find my way home', do DVD
Agora é a vez de 'Voodoo Chile'
Na verdade, trata-se de mais um reencontro de dois velhos amigos, desde 1964, quando o então garoto de 15 anos Winwood despontou como cantor e tecladista do Spencer Davis Group, e Clapton brilhava como guitarrista dos Yardbirds. O segundo conta, numa entrevista do DVD, que o projeto de um trabalho junto começou a se delinear em 2007, após Winwood participar da segunda edição do Crossroads Guitar Festival.
O concerto no Madison Square Garden aconteceu em fevereiro de 2008, mas, curiosamente, essa informação é omitida nos créditos do DVD e nas capas e nos encartes de CD e DVD, com arte gráfica que remete aos psicodélicos anos 1960. Sem cenário algum, vestidos com roupas que usam no cotidiano e acompanhados por Willie Weeks (baixo), Ian Thomas (bateria) e Chris Stainton (teclados), no repertório, Clapton (guitarra e voz) e Winwood (teclados, guitarra e voz) também investem no período. Entre os petiscos estão cinco das seis canções do único disco do lendário e efêmero Blind Faith, supergrupo que os dois formaram - com Ginger Baker (bateria) e Rick Grech (baixo e violino) - em 1969: "Had to cry today", "Sleeping in the ground", "Presence of the Lord", "Well all right" e "Can't find my way home". Na época, Clapton acabara de sair do trio Cream, enquanto Winwood dava um tempo no Traffic (que voltou em meados dos anos 1970).
Ainda no repertório, mais uma de Hendrix, "Little wing" - que Clapton incorporara ao seu repertório no disco "Derek and the Dominoes"; enquanto entre os motivos para a inclusão de "Voodoo Chile" está o fato de Winwood também ter tocado órgão na gravação original, no álbum "Electric Ladyland", de Jimi Hendrix -; e outra homenagem, em "Them changes" (do baterista Buddy Miles, que morrera em 26 de fevereiro de 2008, na semana do concerto de Clapton e Winwood); e muitos temas das carreiras individuais dos dois. O trajeto de Winwood no Traffic (grupo hoje pouco lembrado, mas que em sua música passou por rock, folk e jazz) está representado em "Glad", "Pearly queen", "No face, no name, no number" e "Dear Mr. Fantasy" - e solo, acompanhando-se no órgão, ele também faz uma visceral "Georgia on my mind", calcada na interpretação de Ray Charles. Enquanto da inconstante trajetória de Clapton - que formou e saiu de diversos grupos, até, a partir de meados dos anos 1970, investir num trabalho solo irregular - foi privilegiada a sua associação com o blues, através de "Double trouble" (Otis Rush), "Rambling on my mind" (Robert Johnson) e, como bônus, mais dois clássicos de Johnson, "Kind hearted woman" e "Crossroads".
Contundentes exemplos de que a grande música de Clapton e Winwood não tem data de vencimento.

A contradição de João Gilberto


Débora Costa e Silva

“Quando a gente fala de bossa nova, fala do João Gilberto, mas já existe uma contradição aí, porque bossa nova é João Gilberto, mas João Gilberto não é bossa nova.” A frase do músico e jornalista Walter Garcia faz sentido. Associa-se muito o nome do violonista ao movimento musical da década de 60, mesmo que sua obra tenha mudado ao longo dos anos. Garcia escreveu sobre isso em sua tese de mestrado, que deu origem ao livro Bim Bom – A contradição sem conflitos de João Gilberto, onde explica a relação entre a obra do cantor e a convivência social, baseada na cordialidade do brasileiro.

Ele analisou tudo isso também no último dia 18, em uma das aulas do curso de MPB promovido pelo Espaço da Revista Cult. Dá início a palestra pedindo a todos que o questionem caso tenham alguma dúvida, pois, segundo ele, para explicar um artista que conhece bem a linguagem musical, é preciso explicar muitas coisas específicas de música. “Quero traduzir tudo na linguagem do dia-a-dia”. E para facilitar a compreensão, o jornalista levou um violão para que os alunos pudessem ver e ouvir o que João Gilberto faz.

A contradição sem conflitos de João Gilberto a que Garcia se refere sintetiza o conceito da cordialidade do brasileiro, tema abordado por Sérgio Buarque de Hollanda em Raízes do Brasil. Para exemplificar essa idéia, ele começou mostrando aos alunos passo a passo (acorde a acorde) a origem da batida da bossa nova. O cantor baiano se inspirou na linha rítmica de dois instrumentos que se destacam nos batuques do samba, o surdo e o tamborim, e adaptou o ritmo à batida do violão. “Ele saiu da batida do samba, criou uma batida nova, mas nas variações que faz ao tocar, se aproximou de novo do samba. Então o que ele faz é samba e não é”, conta.

Essa é apenas uma das contradições existentes em seu trabalho. No entanto, o jornalista acredita que essa contradição não apresenta conflitos, pois os elementos musicais não entram em choque um com outro. “Há uma linha tênue entre um ritmo e outro. Quando você percebe que ele está saindo da base que criou [com as variações da batida], ele volta à base novamente. É uma contradição que se dá harmoniosamente”, conclui.

Outro aspecto contraditório do compositor é o momento do show, onde acontece o encontro entre público e ídolo. O fato de ele interpretar as canções num volume muito baixo causa um certo desconforto na platéia. “A cada movimento que as pessoas fazem durante o show interfere no silêncio da platéia e cria aquele pânico: todo mundo fica com medo de atrapalhar e as pessoas têm que ficar totalmente entregues a música dele.” Quando o jornalista fala de contradição sem conflitos quer dizer que é uma ação sempre recoberta por uma harmonia, que faz com que tudo aquilo que possa gerar violência seja atenuado. “Tudo é recoberto por uma afetividade”, analisa. Na opinião de Garcia, essa sensação de harmonia é superficial, pois no fundo há uma contenção de emoção. No caso de um show de João Gilberto, a contenção da voz, dos movimentos e da manifestação da emoção do público. “A obra dele é lírica e trabalha com emoção, ao mesmo tempo que causa um distanciamento dela”, sintetiza.