(Jota Quest)
Basta olhar no fundo dos meus olhos
Pra ver que já não sou como era antes
Tudo que eu preciso é de uma chance
De alguns instantes
Sinceramente ainda acredito
Em um destino forte e implacável
Em tudo que nós temos pra viver
É muito mais do que sonhamos
Será que é difícil entender
Porque eu ainda insisto em nós
Será que é difícil entender
Vem andar comigo…
Vem, vem meu amor
As flores estão no caminho
Vem meu amor
Vem andar comigo
3.16.2009
Márcia,
Estou com 37 anos, sou solteira, tenho meu apartamento e vivo só.
Moro no Rio de Janeiro, tenho estabilidade financeira e me sinto realizada no trabalho, enfim, uma vida boa.
Acontece que estou muito aflita, me apaixonei por um “garoto” de 20 anos, estagiário da empresa que trabalho, estou em pânico. Não sei se encaro ou se saio correndo.
Uma relação assim tem chance de dar certo? Me ajuda! Obrigada pela oportunidade.
Nome fictício: Suely
Suely,
Você não é a única que se apavora diante de uma situação assim. Vários fatores, principalmente os culturais e sociais, levam as pessoas a desistirem de viver este tipo de relação.
De fato, não é fácil ir contra padrões estabelecidos, além do que vocês vivem etapas de vidas diferentes, o que estabelece diferenças nas expectativas e demandas de cada um.
Tudo isso complica, mas não invalida e impossibilita a relação.
O mais importante é que os dois se preparem para enfrentar críticas, olhares, cobranças, etc. O fato de vocês se fortalecerem para enfrentar a sociedade pode contribuir para o fortalecimento da relação.
Como não a conheço, não sei de sua história familiar, porém, com certeza este apaixonamento está dentro do seu script de vida, moldado por padrões conhecidos e aprendidos na sua família.
É necessário que faça uma reflexão e analise o motivo dessa paixão agora.
Será que você precisa de alegria, de movimento, de renovação, de reviver sentimentos do início da juventude?
Você quer ir contra algo ou alguém?
Se sente emocionalmente despreparada para uma relação madura?
Está faltando o que? Será que ele tem tudo isto para oferecer ou é só um reflexo do seu desejo?
Amar pode dar certo independente de toda e qualquer diferença, mas para tanto tem de ser AMOR com maiúscula, o resto é ilusão!
De qualquer forma, como diz o velho ditado popular: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.
Reflita, se no final se sentir segura para arriscar, ARRISQUE!Seja feliz!
Psicóloga, Psicanalista, Terapeuta de Casais e Famílias, Orientadora Vocacional e Profissional.
Estabelecida há 30 anos na cidade do Rio de Janeiro.
O objetivo deste espaço é gerar a possibilidade de reflexão em torno do tema proposto e de maneira nenhuma poderá substituir o processo psicoterápico.
· A identidade de quem pergunta será sempre preservada.
Marcadores:
Conversando com você
Zilda estreia sua coluna no "Botecos do Vale do Café"
O "Botecos do Vale do Café" tem o prazer de contar com a colaboração da jornalista e escritora Zilda Ferreira, que fará quinzenalmente uma coluna de entrevistas. Seus entrevistados serão grandes nomes da cultura atual brasileira.
O convidado para inaugurar esta seção de entrevistas é o jornalista e escritor Luiz André Alzer, editor-chefe do "Diário de S. Paulo". Alzer fala de aspectos ligados à tarefa de escrever livros e dá dicas importantes para quem deseja mergulhar nesse interessante universo.
O convidado para inaugurar esta seção de entrevistas é o jornalista e escritor Luiz André Alzer, editor-chefe do "Diário de S. Paulo". Alzer fala de aspectos ligados à tarefa de escrever livros e dá dicas importantes para quem deseja mergulhar nesse interessante universo.
5 Perguntas para...
Luiz André Alzer
Alzer na foto com Mariana Claudino
Carioca, 38 anos, ele é autor de "A vida até parece uma festa - Toda a história dos Titãs" (Editora Record, 2002), em parceira com Hérica Marmo; "Almanaque anos 80" (2004) "O jogo do Almanaque anos 80" (2005) e "Os 10 mais" (2008), todos pela Ediouro e em parceria com Mariana Claudino. Com uma intensa atividade profissional iniciada em 1989, no jornal "O Fluminense", Alzer já atuou nas revistas "Sétimo Céu" e "Ele Ela", da Editora Bloch, no Segundo Caderno de "O Globo" e no Caderno D, de "O Dia". Em 1998 foi um dos fundadores do "Extra". Convidado para inaugurar nossa seção de entrevistas, o jornalista e escritor, atualmente editor-chefe do "Diário de S. Paulo", fala de aspectos ligados à tarefa de escrever livros e dá dicas importantes para quem deseja mergulhar nesse interessante universo.
1. Escrever livros é resultado de talento ou de determinação?
É resultado principalmente de determinação. Escrever um livro não é como sentar no computador, bater um texto e fim de papo. É preciso concentração, dedicação de algumas horas por dia e paciência para ir fazendo um pouquinho a cada dia. Se o livro necessitar de entrevistas ou pesquisa, aí então a determinação é ainda mais fundamental, por envolver várias etapas e afinco para buscar uma informação que muitas vezes custa tempo para se conseguir. O talento, claro, é sempre importante, mas num livro baseado em pesquisas e entrevistas, talvez fique em segundo plano. Numa ficção, o talento é essencial para um bom livro.
2. Como e quando você decidiu que seria escritor?
Nunca achei que escreveria um livro, justamente por não ter paciência de ficar longos meses ou até anos em cima de um único texto. Sou um pouco imediatista, gosto de ver o resultado das minhas ideias logo em prática e um livro não permite isso. Por conta dessa minha "impaciência", todos os livros que fiz foram finalizados em no máximo dez meses (da ideia inicial à entrega dos originais para a editora). O alento é que eu sempre os dividi com outras autoras, no caso a Hérica e a Mariana, o que foi determinante para que fossem entregues no prazo - coisa rara no mercado editorial! Não sei dizer, portanto, quando resolvi ser escritor, até porque não me sinto exatamente um escritor e sim um jornalista que escreve livros. Meus quatro livros são, no fundo, reportagens, porém extensas e bem detalhistas. Para mim, escrever é uma espécie de hobby, quase uma terapia.
3. De que forma se inspira para cada novo trabalho?
Os livros em geral nascem de um "clique", uma idéia que surge repentinamente. Como o "Almanaque", que começou numa mesa de bar e evoluiu para a forma final nos dias seguintes. Na verdade, tenho ideias para pelo menos mais uns 20 livros, e acho que quase todos com potencial de venda. Penso que, se bem feitos, fariam sucesso, mas não tenho disposição de escrevê-los. Talvez minha verdadeira vocação seja a de editor, e não de autor!
4. O que destaca entre as alegrias e decepções na carreira autoral?
A principal alegria é o elogio de quem leu. Saber que alguém teve disposição de encarar tudo aquilo que você passou meses escrevendo e ainda por cima gostou, é a maior recompensa. Claro que a repercussão de um livro na imprensa, os pedidos de entrevista e entrar na lista dos mais vendidos também deixam qualquer autor nas nuvens. Mas o prazer de arrancar uma emoção, uma gargalhada, uma reação de espanto do leitor, isso já vale a trabalheira toda.
A grande decepção é o descaso da editora que produziu o livro. Poucos livros, e aí falo da grande maioria das editoras, merecem por parte delas uma atenção na pós-produção. A divulgação quase sempre é burocrática, a distribuição é pífia e há uma lentidão enorme nas tomadas de ações. As editoras costumam ir bem até o livro ficar pronto. A partir dali, com raríssimas exceções, não sabem trabalhar seus títulos. Há livros ótimos, tanto editorial quanto graficamente e com potencial de vendas, que acabam sendo lançados quase na clandestinidade. O que é uma estupidez, porque se a editora se propõe a lançar um livro, imagina-se que ela quer vendê-lo e na maior quantidade possível. Mas muitas vezes elas preferem lançar uma infinidade de títulos, em vez de apostar em um número menor e fazer um trabalho mais afiado, que garantiria, no total de vendas, um volume maior de exemplares.
5. Você tem alguma dica para aqueles que pretendem escrever livros?
Vamos por partes. Para editá-lo, depende da pretensão do livro. Se for um projeto pessoal - um livro para satisfazer um desejo próprio e sem a ambição de estar em todas as livrarias - sugiro procurar uma editora pequena, que tenha títulos próximos do tema em questão. Ou mesmo sugiro bancar a produção do livro do próprio bolso, já que o custo não é tão alto assim para uma tiragem pequena. Agora, se o livro tem "cheiro de venda", tem potencial comercial, a dica é procurar uma editora mais afiada, falar pessoalmente com o editor e apresentar o projeto. O ideal, inclusive, é já escrever um "aperitivo" do trabalho: algumas páginas, para terem uma noção de texto, do conceito do livro, do ritmo... Já para escrever, é preciso, antes de mais nada, fazer uma espécie de sinopse para ter um encadeamento de ideias, ainda que isso mude ao longo do processo do livro. E, acima de tudo, não adianta forçar a barra para escrever, caso o texto não esteja fluindo bem. Há dias em que ele sai com facilidade, em outros não. Se a coisa está difícil, desligue o computador, vá caminhar ou vá para um cinema. Deixe para continuar no dia seguinte. Forçar a barra para escrever pode comprometer o trabalho e contaminar todo um capítulo ou trecho.
******
Marcadores:
Entrevista: Por Zilda Ferreira
Caetano e as histórias do Leãozinho
Paquito: A musicalidade de Caetano, nada virtuosística, chega de maneira simples ao âmago de uma canção
Paquito
De Salvador (BA)
Em um dia qualquer da semana de um ano na década de 90, Caetano Veloso assistia distraidamente, em sua casa, à Escolinha do Professor Raimundo, que passava sempre no final da tarde na TV Globo. No momento em que o professor, encarnado por Chico Anysio, começou a arguir o popular Rolando Lero, feito pelo saudoso e grande Rogério Cardoso, a atenção do compositor foi atraída por uma menção ao seu nome contida na fala de Rolando. A pergunta do professor era:
- De que morreu Leon Trotski?
A resposta, sempre entremeada por elogios desmedidos ao mestre, o que fazia a graça do personagem, veio em forma de outra pergunta, em tom exageradamente surpreso:
- O Caetano Veloso já sabe disso? Ao que o professor disse:
- O que tem Caetano Veloso com Leon Trotski, seu Rolando Lero?
E Rolando:
- Foi pra ele que foi feita aquela música que diz "gosto muito de te ver, Leãozinho, caminhando sob o sol"!
Ouvi esse relato da voz do próprio Caetano, que se divertiu à beça com a relação feita entre o seu leãozinho e o "Leozinho", referente a um personagem histórico da Revolução Russa. A canção propriamente dita foi lançada no disco Bicho, de 1977, período em que o Brasil vivia ainda sob um regime ditatorial, no qual, entretanto, já começavam a soprar os ventos da abertura política. Nesse contexto, uma música como O leãozinho acirrava os ânimos, só por ser simples e doce, e não possuir referências à tensão social reinante no país, onde voltavam a ocorrer manifestações de revolta por parte da sociedade civil, incluindo os estudantes universitários.
No período, Cacá Diegues cunhou a expressão "patrulha ideológica" pra definir a atitude de pessoas ou grupos que não admitiam obras de arte que não fossem "engajadas" politicamente, e o que Caetano fazia, aparentemente, ia de encontro aos patrulheiros.
Ao disco Bicho, seguiu-se o espetáculo Bicho baile show, que tinha uma proposta dançante representada pela música Odara, cujos versos diziam: "deixa eu dançar- pro meu corpo ficar Odara".
Odara e O leãozinho se tornaram, para os que se diziam engajados, um símbolo de alienação. Não atentaram para o fato de que, no mesmo Bicho, havia uma canção como Um índio, que concentrava no "índio preservado em pleno corpo físico" as minorias como os negros (o axé do afoxé Filhos de Gandhi e o boxeador Mohamed Alli) e os amarelos (Bruce Lee e o índio Peri).
Em um show beneficente onde havia estudantes, em que Caetano foi se apresentar, ele chegou a receber um bilhete anônimo em que se lia: "se cantar O leãozinho, vai tomar porrada!".
A música, no entanto, fez sucesso, integrou a trilha de uma novela da Globo, Sem lenço sem documento, de Mário Prata, cujas protagonistas eram quatro empregadas domésticas, algo incomum em se tratando de telenovelas, e tinha ainda Alegria, alegria, de Caetano, como tema de abertura.
Passados trinta anos, assentada a poeira do tempo, a gravação original dessa música é uma das que mais gosto da longa carreira de Caetano. É simples, com o artista tocando um violão de cordas de aço, ao contrário dos usuais, na música brasileira pós-bossa-nova, de cordas de nylon, acrescido de um assovio, que faz um contraponto à melodia principal. Em momentos como esse é que se percebe a musicalidade de Caetano, nada virtuosística, chegando de maneira simples ao âmago de uma canção.
Quanto à composição, é uma daquelas na qual Caetano se aproxima de Caymmi, confessadamente um de seus mestres, pela aparente despretensão dos versos e da melodia. Os versos "um filhote de leão, raio da manhã/ arrastando meu olhar como um imã/ o meu coração é o sol, pai de toda cor/ quando ele lhe doura a pele ao léu", vistos em separado, soam sofisticados, mas se seguem, no corpo da música, ao refrão quase banal - a despeito das rimas "sol" e "só" - que diz "gosto muito de te ver, leãozinho/ caminhando sob o sol/ gosto muito de você, leãozinho/ para desintristecer, leãozinho, o meu coração tão só/ basta eu encontrar você no caminho".
Pela junção das duas partes, o equilíbrio se estabelece, portanto, nesta música enganosamente tola e espantosamente simples, como são as grandes pequenas canções, exemplo do que faz ser a canção popular ser o que é, "arte de parâmetros próprios, mais próxima da conversa que do verso", no dizer do poeta Augusto de Campos.
Paquito é músico e produtor.
O Leãozinho - Caetano Veloso - Jazz Madrid 2002
Paquito
De Salvador (BA)
Em um dia qualquer da semana de um ano na década de 90, Caetano Veloso assistia distraidamente, em sua casa, à Escolinha do Professor Raimundo, que passava sempre no final da tarde na TV Globo. No momento em que o professor, encarnado por Chico Anysio, começou a arguir o popular Rolando Lero, feito pelo saudoso e grande Rogério Cardoso, a atenção do compositor foi atraída por uma menção ao seu nome contida na fala de Rolando. A pergunta do professor era:
- De que morreu Leon Trotski?
A resposta, sempre entremeada por elogios desmedidos ao mestre, o que fazia a graça do personagem, veio em forma de outra pergunta, em tom exageradamente surpreso:
- O Caetano Veloso já sabe disso? Ao que o professor disse:
- O que tem Caetano Veloso com Leon Trotski, seu Rolando Lero?
E Rolando:
- Foi pra ele que foi feita aquela música que diz "gosto muito de te ver, Leãozinho, caminhando sob o sol"!
Ouvi esse relato da voz do próprio Caetano, que se divertiu à beça com a relação feita entre o seu leãozinho e o "Leozinho", referente a um personagem histórico da Revolução Russa. A canção propriamente dita foi lançada no disco Bicho, de 1977, período em que o Brasil vivia ainda sob um regime ditatorial, no qual, entretanto, já começavam a soprar os ventos da abertura política. Nesse contexto, uma música como O leãozinho acirrava os ânimos, só por ser simples e doce, e não possuir referências à tensão social reinante no país, onde voltavam a ocorrer manifestações de revolta por parte da sociedade civil, incluindo os estudantes universitários.
No período, Cacá Diegues cunhou a expressão "patrulha ideológica" pra definir a atitude de pessoas ou grupos que não admitiam obras de arte que não fossem "engajadas" politicamente, e o que Caetano fazia, aparentemente, ia de encontro aos patrulheiros.
Ao disco Bicho, seguiu-se o espetáculo Bicho baile show, que tinha uma proposta dançante representada pela música Odara, cujos versos diziam: "deixa eu dançar- pro meu corpo ficar Odara".
Odara e O leãozinho se tornaram, para os que se diziam engajados, um símbolo de alienação. Não atentaram para o fato de que, no mesmo Bicho, havia uma canção como Um índio, que concentrava no "índio preservado em pleno corpo físico" as minorias como os negros (o axé do afoxé Filhos de Gandhi e o boxeador Mohamed Alli) e os amarelos (Bruce Lee e o índio Peri).
Em um show beneficente onde havia estudantes, em que Caetano foi se apresentar, ele chegou a receber um bilhete anônimo em que se lia: "se cantar O leãozinho, vai tomar porrada!".
A música, no entanto, fez sucesso, integrou a trilha de uma novela da Globo, Sem lenço sem documento, de Mário Prata, cujas protagonistas eram quatro empregadas domésticas, algo incomum em se tratando de telenovelas, e tinha ainda Alegria, alegria, de Caetano, como tema de abertura.
Passados trinta anos, assentada a poeira do tempo, a gravação original dessa música é uma das que mais gosto da longa carreira de Caetano. É simples, com o artista tocando um violão de cordas de aço, ao contrário dos usuais, na música brasileira pós-bossa-nova, de cordas de nylon, acrescido de um assovio, que faz um contraponto à melodia principal. Em momentos como esse é que se percebe a musicalidade de Caetano, nada virtuosística, chegando de maneira simples ao âmago de uma canção.
Quanto à composição, é uma daquelas na qual Caetano se aproxima de Caymmi, confessadamente um de seus mestres, pela aparente despretensão dos versos e da melodia. Os versos "um filhote de leão, raio da manhã/ arrastando meu olhar como um imã/ o meu coração é o sol, pai de toda cor/ quando ele lhe doura a pele ao léu", vistos em separado, soam sofisticados, mas se seguem, no corpo da música, ao refrão quase banal - a despeito das rimas "sol" e "só" - que diz "gosto muito de te ver, leãozinho/ caminhando sob o sol/ gosto muito de você, leãozinho/ para desintristecer, leãozinho, o meu coração tão só/ basta eu encontrar você no caminho".
Pela junção das duas partes, o equilíbrio se estabelece, portanto, nesta música enganosamente tola e espantosamente simples, como são as grandes pequenas canções, exemplo do que faz ser a canção popular ser o que é, "arte de parâmetros próprios, mais próxima da conversa que do verso", no dizer do poeta Augusto de Campos.
Paquito é músico e produtor.
O Leãozinho - Caetano Veloso - Jazz Madrid 2002
Marcadores:
Paquito
Histórias de uma canção brasileira
Paquito
De Salvador (BA)
Um conhecido compositor brasileiro procurou um dos seus parceiros com uma melodia nova, para que este a letrasse, como se diz no jargão. O parceiro, enquanto ouvia a música, ia escrevendo o que lhe vinha à mente, até que entregou o papel ao compositor, não sem antes avisá-lo: "é ainda um monstro, fiz de primeira, mas tem muita coisa pra mexer". O amigo, no entanto, gostou do resultado e disse que iria gravar a canção com aquela letra mesmo, ao que o parceiro retrucou: "Se a música for gravada com a letra do jeito que está, eu não assino de maneira alguma, pode assinar sozinho".
O conhecido compositor deixou que a música fosse gravada e assinou letra e música, fazendo a vontade do letrista. A canção, que se tornou um sucesso, era Aquarela do Brasil, o compositor era Ary Barroso, e o letrista era Luís Peixoto, com quem Ary compôs pérolas como Na batucada da vida, Maria e Por causa dessa cabocla.
A historinha acima me foi contada por um amigo, durante a semana que passei no Rio de Janeiro, como se fora verdadeira. Ary Barroso, no entanto, ao que eu saiba, contava que compôs Aquarela do Brasil sozinho mesmo, durante uma noite chuvosa em sua própria casa. Não me interessa aqui conferir a veracidade dos fatos. Se algo parecido ocorreu, já deve ter sido tão aumentado e acrescido de detalhes a cada vez que foi narrado, que fica difícil se chegar a um termo. Os dois autores envolvidos já morreram, e a música em questão é sucesso tão grande até hoje, conhecida não só no Brasil, que pode ser considerada até o nosso hino nacional afetivo.
O que importa mesmo ressaltar é que a história é saborosa, e sua existência talvez deva-se ao fato de a letra ter sido alvo de críticas, por conta de trechos considerados redundantes como o famoso "esse coqueiro que dá côco" ou "meu Brasil brasileiro". Ora, versos como esses, com um quê de filosófico - "só os profetas enxergam o óbvio" (*) - é que dão um charme todo especial a uma música feita com intenções tão solenes quanto patrióticas, pois conferem coloquialidade e frescor a algo empolado por si só, no caso, o gênero samba-exaltação.
O que nunca me agradou em Aquarela do Brasil foi o número excessivo de vezes em se repete "Brasil, pra mim, Brasil, pra mim", em várias partes da música, o que foi minimizado por João Gilberto quando a gravou. Ele simplesmente deixa de cantar estes versos. O próprio João gravou outro samba-exaltação, Canta Brasil, de Alcyr Pires Vermelho e David Nasser, gravado originalmente por Francisco Alves em 1941, dois anos após a Aquarela de Ary, que ficou uma fera por considerar Canta Brasil um plágio da sua música.
As duas realmente se parecem, não o bastante para ser caracterizado o plágio, mas o tema é o mesmo e os caminhos harmônico-melódicos se assemelham. Além do que, na letra de David Nasser, é citado o título da de Ary. Ou seja, Alcyr e David assumem mesmo que se inspiraram em Ary Barroso.
No entanto, considero Canta Brasil mais bem acabada e condensada, pois a canção vai num crescendo vertiginoso, para finalizar com "esse rio turbilhão/ entre selvas e rojão/ continente a caminhar/ no céu, no mar, na terra: canta Brasil." A imagem do "continente a caminhar" traduz-se em grandeza, condizendo com a exaltação da nacionalidade, e até com o fato científico de que os continentes realmente se movem.
Sei que é mera especulação, mas talvez tenha doído em Ary perceber que, ao pongar em sua idéia, Alcyr e David tenham ido além de onde ele foi. No entanto, Aquarela do Brasil, a despeito de meus argumentos favoráveis à estética em Canta Brasil, tem o seu lugar, como representante máxima do samba-exaltação, intocado.
Será que a "quase-displicência" e malemolência da letra de Ary contribuíram para esta supremacia, bem ao modo das musas em Morena boca de ouro, só dele, e É luxo só, dele e de Peixoto, dotadas de "um não-sei-quê que faz a confusão", significando o imponderável que rege a criação na canção popular, aquilo que não se explica, mas simplesmente se efetiva, como por encanto e graça?
(*) A frase é de Nelson Rodrigues.
Paquito é músico e produtor.
De Salvador (BA)
Um conhecido compositor brasileiro procurou um dos seus parceiros com uma melodia nova, para que este a letrasse, como se diz no jargão. O parceiro, enquanto ouvia a música, ia escrevendo o que lhe vinha à mente, até que entregou o papel ao compositor, não sem antes avisá-lo: "é ainda um monstro, fiz de primeira, mas tem muita coisa pra mexer". O amigo, no entanto, gostou do resultado e disse que iria gravar a canção com aquela letra mesmo, ao que o parceiro retrucou: "Se a música for gravada com a letra do jeito que está, eu não assino de maneira alguma, pode assinar sozinho".
O conhecido compositor deixou que a música fosse gravada e assinou letra e música, fazendo a vontade do letrista. A canção, que se tornou um sucesso, era Aquarela do Brasil, o compositor era Ary Barroso, e o letrista era Luís Peixoto, com quem Ary compôs pérolas como Na batucada da vida, Maria e Por causa dessa cabocla.
A historinha acima me foi contada por um amigo, durante a semana que passei no Rio de Janeiro, como se fora verdadeira. Ary Barroso, no entanto, ao que eu saiba, contava que compôs Aquarela do Brasil sozinho mesmo, durante uma noite chuvosa em sua própria casa. Não me interessa aqui conferir a veracidade dos fatos. Se algo parecido ocorreu, já deve ter sido tão aumentado e acrescido de detalhes a cada vez que foi narrado, que fica difícil se chegar a um termo. Os dois autores envolvidos já morreram, e a música em questão é sucesso tão grande até hoje, conhecida não só no Brasil, que pode ser considerada até o nosso hino nacional afetivo.
O que importa mesmo ressaltar é que a história é saborosa, e sua existência talvez deva-se ao fato de a letra ter sido alvo de críticas, por conta de trechos considerados redundantes como o famoso "esse coqueiro que dá côco" ou "meu Brasil brasileiro". Ora, versos como esses, com um quê de filosófico - "só os profetas enxergam o óbvio" (*) - é que dão um charme todo especial a uma música feita com intenções tão solenes quanto patrióticas, pois conferem coloquialidade e frescor a algo empolado por si só, no caso, o gênero samba-exaltação.
O que nunca me agradou em Aquarela do Brasil foi o número excessivo de vezes em se repete "Brasil, pra mim, Brasil, pra mim", em várias partes da música, o que foi minimizado por João Gilberto quando a gravou. Ele simplesmente deixa de cantar estes versos. O próprio João gravou outro samba-exaltação, Canta Brasil, de Alcyr Pires Vermelho e David Nasser, gravado originalmente por Francisco Alves em 1941, dois anos após a Aquarela de Ary, que ficou uma fera por considerar Canta Brasil um plágio da sua música.
As duas realmente se parecem, não o bastante para ser caracterizado o plágio, mas o tema é o mesmo e os caminhos harmônico-melódicos se assemelham. Além do que, na letra de David Nasser, é citado o título da de Ary. Ou seja, Alcyr e David assumem mesmo que se inspiraram em Ary Barroso.
No entanto, considero Canta Brasil mais bem acabada e condensada, pois a canção vai num crescendo vertiginoso, para finalizar com "esse rio turbilhão/ entre selvas e rojão/ continente a caminhar/ no céu, no mar, na terra: canta Brasil." A imagem do "continente a caminhar" traduz-se em grandeza, condizendo com a exaltação da nacionalidade, e até com o fato científico de que os continentes realmente se movem.
Sei que é mera especulação, mas talvez tenha doído em Ary perceber que, ao pongar em sua idéia, Alcyr e David tenham ido além de onde ele foi. No entanto, Aquarela do Brasil, a despeito de meus argumentos favoráveis à estética em Canta Brasil, tem o seu lugar, como representante máxima do samba-exaltação, intocado.
Será que a "quase-displicência" e malemolência da letra de Ary contribuíram para esta supremacia, bem ao modo das musas em Morena boca de ouro, só dele, e É luxo só, dele e de Peixoto, dotadas de "um não-sei-quê que faz a confusão", significando o imponderável que rege a criação na canção popular, aquilo que não se explica, mas simplesmente se efetiva, como por encanto e graça?
(*) A frase é de Nelson Rodrigues.
Paquito é músico e produtor.
Marcadores:
Paquito