2.20.2010

Roda Viva com Chico Buarque e o grupo MPB4 - TV Record em 1967

1_Roda Viva com Chico Buarque e o grupo MPB4 no Festival de Música Brasileira na TV Record em 1967. 2_Roda Viva com Fernanda Porto & Chico Buarque.Trilha sonora do filme Cabra-Cega de Toni Venturi. Alem de Chico Buarque e Fernanda Porto, participam Doug Wimbish e Will Calhoun do Living Colour. Montagem: Cassio Bossert e Paulo Prestes


Uma noite eterna

Texto por Carlos Nader * Fotos Divulgação / Record

Documentário revive o festival da Record de 1967, momento essencial da música brasileira

Com depoimentos de Roberto Carlos, Caetano, Gil e Chico, entre outros, documentário revive a experiência da final do festival da Record de 1967, um dos momentos essenciais da música brasileira
                Gil faz um chamego em Caetano nos ensaios
“Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”, disse o imortal escritor russo Liev Tolstói. Transformada num clichê igualmente universal, a frase visitou a cabeça deste passageiro colunista enquanto eu assistia a Uma noite em 67, documentário dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil (diretor de Redação da Trip), com estreia prevista para maio. A noite em questão é a final do III Festival da Música Brasileira, realizado pela TV Record em outubro de 1967. Entre os concorrentes mais memoráveis, apresentaram-se Edu Lobo com “Ponteio”, Gilberto Gil com “Domingo no parque”, Caetano Veloso com “Alegria, alegria”, Chico Buarque com “Roda viva”, Roberto Carlos com “Maria, Carnaval e cinzas” e Sergio Ricardo, cujo nome da música não importa porque ele concorreu num quesito híbrido, talvez mais esportivo do que musical, mas nem por isso menos importante no universo pop: o arremesso de violão quebrado em cima do público.
Uma noite em 67 gira em torno dessas apresentações. É um documentário sobre seis canções. Simples assim. O complexo, na história do filme e do Brasil, é que em torno dessas apresentações giraram e ainda giram as questões mais essenciais da nossa cultura popular. Popular ou pop? Engajada ou alienada? Enraizada ou antenada? As polaridades que desde sempre energizam nossas manifestações artísticas colocaram-se no palco da Record com uma clareza e uma vitalidade tão únicas que já levaram muita gente a rotular aquela noite como “a mais importante da MPB”.
Sergio Ricardo protagoniza um dos momentos mais emblemáticos de sua época no Festival da Record de 1967
O documentário sabe, felizmente, evitar esse tipo de mitificação que abafaria toda a complexidade orgânica e muitas vezes contraditória que ainda emana daquela noite. Feito um This is it reflexivo, o filme nos conduz sem firulas estéticas a reviver a experiência do festival, mostrando as canções na íntegra e complementando-as com depoimentos pensantes, mas sempre emocionalmente endógenos, nunca acadêmicos ou friamente analíticos. Assim, por exemplo, Zuza Homem de Mello, um dos maiores historiadores da MPB, é na tela a memória viva de um jovem microfonista do festival. Nelson Motta é um letrista concorrente que torcia pela vitória de sua música. Caetano Veloso, mesmo através das reflexões sofisticadas que sempre produz, é um artista começando a projetar uma carreira seminal. E Chico Buarque idem.
É de Gilberto Gil a participação que traduz mais inteiramente o clima milionário de contradições da época. Lá pelas tantas, o filme nos mostra que ele realiza a duvidosa proeza de participar de uma caduca passeata antiguitarra em SP pouco tempo antes de colocar Os Mutantes, com a guitarra de Sérgio Dias, ao seu lado no palco. Num depoimento emocionante, ele afirma essa e outras contradições, dizendo que a soma transcendente delas é, sempre foi e sempre será o signo de sua música. Nesse sentido, ele encarna com malemolente exatidão um Brasil não só daquela época, mas de todas. E dá sua contribuição ao documentário de Terra e Calil que, nesse diapasão, pinta uma só noite para ser eterno.
* Carlos Nader é cineasta, colunista da Trip e diretor do documentário Pan-Cinema Permanente