5.16.2010

O DRUIDA É NOSSO

Hermeto Pascoal, mesmo sem saber surfar, pegou um tubo grande. E saiu sorrindo

Paulo Lima
Como fazer para se manter, em plena oitava década de vida, reconhecido como uma das mais criativas e inovadoras figuras num firmamento mais chapado de estrelas do que o céu de uma noite de verão em Arapiraca? Fato é que, se alguém conhece esse segredo, atende pelo nome de Hermeto Pascoal. Tornar-se uma quase unanimidade no congestionado panteão da música brasileira (e planetária), que para felicidade mundial produziu e produz figuras geniais em quantidade semi-industrial, definitivamente não é pouca coisa. De Miles Davis a um jumento rinchador, do assistente de som que roncava desavisado no estúdio a uma abelha nervosa, todo tipo de ser ou objeto capaz de produzir som já de alguma forma serviu de parceiro a esse legítimo misto de bardo e druida brasileiro.
E, se esse segredo existir, passa certamente pela capacidade de se manter aberto, escancarado até, para tudo o que está ao nosso alcance, mas que passa despercebido a 99% dos mortais comuns. A imagem que você contempla aqui foi feita em 1987, pelo fotógrafo e hoje mago das lentes do cinema Paulo Vainer. Hermeto, então com 51 anos de idade, topou sem pestanejar a proposta de vestir uma roupa de borracha de mergulho que cobria seu corpo dos tornozelos ao pescoço e produzia um calor fenomenal. Como se não bastasse, portava numa das mãos, uma prancha de surfe nova em folha. Nossa ideia era colocá-lo num tubo.
O cenário não poderia ser mais desajeitado e insalubre:
a estreita passarela que corre colada à parede do túnel da avenida 9 de Julho, artéria paulistana largamente conhecida e permanentemente obstruída.
O que seria dessa ideia no mundo de hoje, quando qualquer fulano com duas musiquinhas no MySpace já exige toalhas, proseccos e iogurtes nos camarins?
Hermeto não só topou como adorou, gritava com os carros que passavam, se deliciava com o ruído ensurdecedor dos motores, escapamentos e buzinas. Enquanto todos ouviam barulho, ele lia sinfonias, sorria, se divertia como se estivesse na Lua, um cosmonauta russo pisando em Plutão.
Saindo dali, ainda teve tempo de botar as barbas de molho. Não no sentido figurado, mas molhando mesmo os fios brancos de sua farta pelagem facial num singelo copo d’água, esticando um chumaço da barba, como se fosse uma harpa, e tocando “Parabéns a Você” claro
e bom som. Não duvide, saiu afinado e está gravado.
Hermeto é genial. E faz tempo.
 
Paulo Lima é fundador da editora e da revista Trip

Maior violonista brasileiro, Hélio Delmiro se queixa de preconceito por ser pastor evangélico

Antônio Carlos Miguel
RIO - Hélio Delmiro diz que tem um problema. Se a conversão ao credo evangélico, há 24 anos, ajudou-o em muitas questões particulares, hoje, profissionalmente, ele se sente "limado", vítima de preconceito, esquecido por cantoras e produtores:
- Eu não sou mais "o cara", virei "um dos" - comenta, sem falsa modéstia, pouco antes de subir ao pequeno palco do Lapinha e mostrar que continua sendo... o cara, o maior violonista/guitarrista brasileiro.

Artistas de diferentes gerações avalizam. Ed Motta diz adorar Delmiro, e justifica:

- Acho que, no Brasil, o primeiro solo de guitarra no idioma jazzístico foi o que ele fez, brilhantemente, no LP "O som brasileiro de Sarah Vaughan". O tema é "Preciso aprender a ser só", de Marcos Valle, e o solo de Hélio é histórico.

O autor desse clássico, Marcos Valle, faz coro:

- O solo de Hélio em "Preciso aprender a ser só" é lindo, seu violão é memorável.