9.11.2009

O Sarney de ontem, de hoje, de sempre


Enviado por Luiz Cláudio Cunha

Parecia, enfim, ter chegado o dia para elogiar José Sarney. Depois de tantas denúncias, escândalos, polêmicas e explicações desencontradas, o presidente do Senado Federal produziu, no espaço de 24 horas, dois movimentos surpreendentes e animadores.
Na quarta-feira, 9 de setembro, quando o plenário discutia a regulamentação para as próximas eleições, Sarney atacou a emenda do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que previa eleição indireta para presidente, governador ou prefeito no caso do eleito e seu vice serem cassados pela Justiça Eleitoral após dois anos de mandato.
Veemente, Sarney foi à tribuna protestar, dizendo que os senadores estariam implantando a eleição indireta via projeto de lei, atropelando uma prerrogativa exclusiva da Constituição. “E tudo isso depois que multidões foram às ruas pedindo diretas”, lembrou Sarney, irônico.
Na quinta-feira, 10, ainda mais ousado, Sarney defendeu a liberação total da Internet, que segundo ele não deve sofrer qualquer restrição jornalística da lei em função do calendário eleitoral. “A Internet é uma tecnologia que veio para ficar e é impossível estabelecer qualquer controle”, alertou.
Duas declarações de Sarney que poderiam levar qualquer democrata às lágrimas, pela profissão de fé na vontade popular e na liberdade de expressão.
Mas, é prudente conferir antes a taxa de veracidade e o índice de correção histórica para uma justa avaliação. E, submetido a esse filtro, descobre-se que José Sarney, mais uma vez, contou a versão que lhe interessa. O passado, aqui, desmente outra vez o presente.
O defensor atual das eleições diretas trabalhou em tempos idos contra o voto do povo. É bom lembrar o que Sarney espertamente agora esquece: em abril de 1984 ele era o presidente do PDS, sucessor da ARENA, o partido da ditadura que cercou o Congresso com tanques e soldados para derrotar, no grito e na marra, a emenda Dante de Oliveira que restabelecia o voto direto para presidente.
Sarney cerrava fileiras com as tropas e o chicote do general Nini que, sob o comando do presidente Figueiredo, colocaram Brasília sob Estado de Emergência para acuar o Congresso e os parlamentares.
Apesar de toda a intimidação, 298 votos contra 65 votaram de acordo com o clamor das ruas. Faltaram 22 votos para atingir o quorum de 2/3 – e 112 deputados, boa parte deles liderados por Sarney, simplesmente não compareceram ao Congresso naquele dramático, tenso 25 de abril.
Desde março de 1983 até a semana anterior à votação no Congresso, o Brasil tomou praças e ruas pedindo diretas-já, no maior movimento de massas da história política do país.
Os últimos quatro comícios, em abril de 1984, somaram três milhões de pessoas em Goiânia, Porto Alegre, Rio e São Paulo, que sozinho reuniu 1,5 milhão de pessoas na Praça da Sé.
Sarney, hoje um corajoso defensor das diretas, não foi visto em nenhum dos 40 comícios que animaram e orgulharam o país.
A coragem voltou a roçar os bigodes de Sarney apenas 47 dias depois da derrota da emenda das diretas, quando ele descobriu que teria que engolir o candidato do Planalto, Paulo Maluf.
Sarney botou um revólver calibre 38 na cintura e com ele foi à sede do PDS no Edifício Sofia, no Setor Comercial Sul de Brasília, para sua última reunião na Executiva do partido.
Ao final da reunião nervosa daquela manhã de 11 de junho de 1984, Sarney anunciou sua renúncia à presidência do PDS. Junto com Marco Maciel e Aureliano Chaves, ele abriu a dissidência governista formada com a Frente Liberal e que, numa aliança tática com a oposição, voltou ao poder na vitória indireta de Tancredo Neves, que resultou na trágica, irônica posse de José Sarney.
O presidente do partido dos militares - que abafou a vontade popular por eleições diretas - subiu a rampa do Planalto como primeiro presidente civil depois de 21 anos de generais-presidentes da mais longa ditadura da história brasileira.
O mesmo José Sarney que defende a liberação total da Internet é o presidente do Congresso envolvido com o mais grave caso de censura prévia do país: a proibição judicial que impede o jornal O Estado de S.Paulo de publicar qualquer notícia de uma investigação da Polícia Federal que envolve gravemente uma pessoa muita próxima a Sarney – seu filho, Fernando.
Ontem, completaram-se 41 dias deste melancólico período de censura, que impede qualquer notícia que afete o filho de Sarney e suas nebulosas ligações políticas sob investigação policial.
O presidente do Senado diz que é impossível estabelecer qualquer controle sobre a Internet, mas o site eletrônico do jornal paulista, como sua versão impressa, não conseguiu até agora superar esta vergonhosa restrição sobre a liberdade de expressão tão ardorosamente defendida pelo neodemocrata José Sarney.
O Sarney de hoje, das diretas e da liberdade, é o mesmo Sarney de ontem, das indiretas e da censura.
A história ensina que a incoerência e a hipocrisia, juntas, não valem um único fio de bigode.

Luiz Cláudio Cunha é jornalista.

Relíquias da boa MPB

<
Enviado por Luiz Antônio Gravatá -

A boite “Au Bon Gourmet” ficava em Copacabana, perto da praça do Lido. Foi ali que Aloysio de Oliveira, há 44 anos, produziu o legendário show que reuniu, pela primeira e única vez num palco, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, João Gilberto e Os Cariocas. Ofereciam ao público, em primeira mão, as obras-primas da MPB “Garota de Ipanema”, “Samba do Avião”, “Samba da Bênção” e “Só danço samba”. Vinicius estreava como cantor, para desespero do Itamaraty.
Esse memorável encontro, considerado por Rui Castro como o maior momento da Bossa-Nova no Brasil, não foi gravado em disco, lamentavam todos. Até que – milagre ! – surge a Santa Internet, que tudo sabe e tudo guarda, colocou o show à disposição dos internautas. Não somente este, mas outros antológicos como o apresentado por Sergio Porto com Aracy de Almeida, Billy Blanco e Roberto Menescal, na boite Zum-Zum, em 1966; um outro, também nessa mesma boite do saudoso e querido Paulinho Soledade (autor de “Estão chegando as flores”), com Dorival Caymmi, Vinícius e o Quarteto em Cy, em 1967. As meninas pisavam num palco pela primeira vez; o show “Discomunal “, em que Millôr Fernandes apresenta, em 1968,Tom Jobim, Baden Powell, conjunto 004, Paulo Moura, Eumir Deodato, Márcia e Chico Buarque, reunidos no palco do Teatro Toneleros, em Copacabana.
Querem mais? o LP de Carlinhos Lyra “Depois do carnaval” (1963), censurado em 64 e o “Saravá”, gravado no México em 1969, já com o cantor no exílio; o primeiro LP de Elis Regina (“Viva a Brotolândia”), gravado quando a cantora tinha apenas 16 anos; o LP de Marisa Gata Mansa e Denise Duran, interpretando canções da irmã Dolores (1960) e os seminais “Chega de Saudades” de João Gilberto (1959) e “Canção de Amor Demais” de Elizeth Cardoso (1958), considerado o primeiro disco de Bossa-Nova. Isto sem falar nos LPs de estréia do Tamba Trio (1962), Marcos Valle (1964), Nana Caymmi (1965), Joyce (1968) e tantos outros. Tudo em MP3, ripados de velhos e raros LPs, com as capas oferecidas em arquivos JPG.


Agora que todo mundo já está com água na boca, como obter essas relíquias? Simples: é só acessar o blog Loronix. Lá tem tudo isso e muito mais. O dono é Zeca Louro, um apaixonado por música e um dos pioneiros do BBB e da Internet no Brasil (vou logo avisando: não revelo a verdadeira identidade dele nem sob tortura). Os downloads no Loronix são de graça, mas Zeca não deixa baixar discos que estão à venda no mercado. O “Bossa de Roberto Menescal” (Elenco, 1963) é um bom exemplo. Relançado em CD, está à venda na Amazon. Nesse caso, há um link para o site daquela empresa. Se o internauta quiser baixar os arquivos com maior velocidade, a história é outra: deve usar progamas como o RapidShare ou o MegaUpload e pagar uma assinatura mensal de 9,9 euros.
Zeca faz um belo e importante trabalho de divulgação de nossa música. Certa ocasião, Nelson Motta nos confidenciou: o ganho com a divulgação na Internet , para muitos artistas, é bem maior do que a restrição de downloads em programas como Napster ou LimeWire. Dizia ele: “o Napster é uma alavanca promocional alucinante. Há um mailing list de 40 milhões, que cresce em progressão geométrica, de um público que adora música. Os artistas não ganham só em disco. Onde eles ganham mesmo é em shows e na divulgação” .
O Lorinix segue essa linha. Escrito em inglês, desperta o interesse de muita gente lá fora. O blog possui, em média, 2.200 visitantes únicos diários e 4.600 páginas carregadas ao dia (page views). Na relação dos 122 paises cadastrados, o que mais tem impressionado é o número de visitantes alemães, cada vez maior, superando até o de japoneses, admiradores tradicionais da nossa MPB. E tem gente interessada até da Bosnia, Oman, Macau e Yemen. Mas o destaque, vai para um único hard user da Cidade do Vaticano. Quem sabe, não é o Santo Papa? Ele é internauta, alemão, e como já se prepara para sua próxima viagem ao Brasil no ano que vem, já deve estar interessado em conhecer nossa gente e nossa música.

Enfim, obra remasterizada dos Beatles é editada

Mauro Ferreira

Tal como anunciado em abril de 2009, a EMI Music está pondo nas lojas em escala mundial nesta quarta-feira, 9 de setembro, as reedições remasterizadas da discografia oficial dos Beatles. São 14 títulos embalados numa luxuosa caixa (foto) e também vendidos separadamente ao preço médio e unitário de R$ 35. Pode parecer incrível, mas a obra genial dos Beatles nunca havia passado por cuidadoso processo de remasterização (leia-se equalização) desde o advento do CD. A masterização que vigorava até então era a feita sem muitos recursos em 1987 para a primeira edição da obra da banda em CD. Daí a importância do trabalho desenvolvido no estúdio Abbey Road, em Londres, nos últimos quatro anos, sob a coordenação de Allan Rouse e a participação de George Martin - o produtor dos discos - e dos engenheiros de som Guy Massey, Steve Rooke, Paul Hicks e Sean Magee. Som à parte, as atuais reedições também primam por um cuidadoso trabalho gráfico. Os encartes foram incrementados com fotos raras e com textos sobre os discos. A coleção inclui os 13 álbuns oficiais dos Beatles e a coletânea dupla Past Masters, com 33 fonogramas avulsos da vasta discografia dos Fab Four. São, de fato, reedições definitivas.

Livraria de Santa Teresa recebe a sétima edição da mostra Chama o Raul!

RIO - Acontece neste domingo (13.09) a 7ª edição do projeto Chama o Raul!, na Livraria Largos das Letras, em Santa Teresa. A mostra, que é gratuita, vai receber Yaffa Alvarez, diretora do Instituto Cubano de Arte Cinematográfica, para falar sobre os 50 anos do Icaic, criado três meses após a revolução.
Também serão exibidos alguns curtas produzidos pelo instituto, que é o responsável pelas maiores produções audiovisuais de Cuba. Serão dois documentários de Santiago Álvarez e três animações de diretores distintos.
Na sequência, tem show com o Bloco de Conga (foto). O grupo se formou há três anos no carnaval do Rio e hoje conta com 15 músicos, que se dividem entre sopro e percussão. Na apresentação, eles vão promover um verdadeiro carnaval cubano, tocando conga, bata, palo, makuta, músicas folclóricas, de santería e orixá.

Chama o Raul!
Livraria Largo das Letras.
Largo dos Guimarães s/n, Santa Teresa. Tel: 2221-8992. Dom, às 18h. Grátis

Sabor da Morena: um bar de mulher em Botafogo

Juarez Becoza

RIO - Poucos botequins do Rio têm um nome tão apropriado. Afinal, não há definição melhor para a carioca Denise Oliveira do que esta mesmo: uma morena simpática, e que cozinha muito bem. Bar e Restaurante Sabor da Morena, portanto, descreve à perfeição o que é esse pequeno, escondido e femininamente decorado pé-sujo de Botafogo.
A casa fica num canto curioso, espremida entre a Praça Capitão Mauro Duarte - que já foi símbolo da violência urbana no bairro e hoje é um cenário quase bucólico - e algumas oficinas mecânicas. Abrigou, ela própria, uma borracharia e uma fábrica de queijos. Virou bar há apenas três anos, mas já entrou para a agenda do samba carioca.
Ali, o batuque soa quase todo dia, de segunda a sábado, das 19h às 22h. É música de primeira, assim como a comida, fruto da experiência de Denise nos 15 anos que passou à frente de um restaurante de comida a quilo. Apesar do ambiente despojado, com mesinhas na calçada e artesanato na parede, o cardápio flerta com a sofisticação. O caldinho de camarão com gengibre, por exemplo, é de se afogar (R$ 8,50, a tigela). Igualmente delicioso é o escondidinho de bacalhau (R$ 10). E o filé acebolado aperitivo (R$ 24,80) - prato tão comum quanto sem graça na maioria dos lugares - aqui recebe um tratamento caseiro, que lhe dá outra dimensão. Paulo Thiago de Mello, amigo e conselheiro desta coluna, que o diga...

Sabor da Morena:
Rua São Manuel 43, Botafogo.
Tel: 2542-0346.
Seg a sáb, das 17h à 1h. C.C.: Todos.

Sangue e beleza na estreia do Café Literário da Bienal


Enviado por Guilherme Amado* -

Sangue, violência e um quê de perversão são os ingredientes que formam na literatura o conceito de abjeto, mas que podem também refletir uma beleza própria, revelada em outras camadas do texto ou pela articulação desses elementos. Para discutir a ponte entre esses dois polos, o belo e a abjeção, os escritores Lourenço Mutarelli (ao fundo, na foto de André Coelho), André Sant’Anna (no primeiro plano) e Ana Paula Maia se reuniram nesta quinta-feira, sob mediação da jornalista Rachel Bertol, no primeiro encontro do Café Literário, espaço da Bienal do Livro que reúne escritores, críticos e personalidades das Letras.

Conhecidos por essa estética do nojo, os três tentaram chegar a uma explicação do que seria essa linguagem, embora reconheçam que ela é consequência natural do trabalho criativo:

- Tenho atração pelo abjeto, dediquei minha existência a olhar e entender o abjeto. Mas o estilo, no meu caso, é muito mais uma deficiência. Eu não faço como quero, faço como posso – arriscou Mutarelli, cujo filme baseado em seu romance “O natimorto” participará da Première Brasil, no Festival do Rio de 2009.

Para André Sant’Anna, que lançou recentemente “Inverdades”, livro de contos em que os personagens são celebridades como Sandy, Lula, Ronaldo, Nelson Rodrigues e Roberto Justus, entre outras, o tema da abjeção é reflexo de sua relação com o mundo:

- É punk devolver para o mundo o nojo que ele me causa. Eu não escrevo para chocar as pessoas. Escrevo para mostrar o quanto eu estou chocado com o fato de ninguém respeitar uma faixa de pedestres, escrevo por 90% do parlamento brasileiro ser formado por bandidos

Ana Paula Maia, autora de “Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos”, citou o protagonista de seu livro, o abatedor de porcos Edgar Wilson, para explicar sua crença de que o trabalho influi de alguma forma no caráter da pessoa, na sua visão de mundo.

- Ele precisa ter uma frieza para abater porcos. Ele mora num lugar ermo, abafado, afastado de tudo, e se diverte numa rinha de cachorros que frequenta uma vez por semana.

O livro mostra um Edgar que, apesar de viver nesse ambiente conflituoso, enxerga a vida de forma positiva. É um homem que gosta de contemplar o céu, por exemplo. Ana Paula avalia que o belo, ponto oposto ao conceito de abjeto, está presente em outra camada de sua obra, nas várias subtramas que se entrelaçam à história principal.

- A minha literatura está muito permeada de violência, mas também de bons sentimentos, como a lealdade, a fidelidade, o companheirismo.
* Guilherme Amado faz parte do Programa de Estágio Boa Chance, do jornal O GLOBO.