5.14.2009
Após sete anos, sai filme sobre Simonal, cantor que atingiu o auge e foi banido da memória do país
Mauro Ventura
RIO - Micael Langer não tinha maiores referências de Wilson Simonal. Quando o diretor de 33 anos comentou com o pai que ia fazer um filme sobre o cantor, ouviu de volta: "Ah, o dedo-duro?".
- Ele foi resumido a isso, o que é mais triste. A vida dele é muito maior - diz Langer.
Como prova o documentário "Simonal - Ninguém sabe o duro que dei", co-dirigido por ele, por Claudio Manoel e por Calvito Leal, que estreia nesta sexta-feira. O filme mostra uma trajetória de ascensão e queda difícil de ser igualada: a do maior cantor do país, com uma fama só comparável à de Roberto Carlos, e que morreu aos 62 anos proscrito, invisível, como narra no filme sua segunda mulher, a quem ele dizia: "Sandra, eu não existo na História da música brasileira".
- Ele parece ter sido contaminado por algo radioativo, que mesmo após a morte permanece. Sofreu um processo de sovietização - diz Manoel.
O casseta, de 50 anos, que estreia na direção, penou atrás de patrocínio. Parecia, diz, que o tema era sobre uma facção criminosa. Acabou conseguindo um patrocinador, que pediu anonimato. O filme é coproduzido por ele e pela TV Zero.
O filme faz a construção e a desconstrução de Simonal. A síntese fica por conta do espectador. Na primeira parte, acompanha-se a trajetória do filho de uma empregada doméstica e ex-cabo do Exército que se torna um showman capaz de reger 30 mil pessoas no Maracanãzinho, o primeiro cantor negro brasileiro a ganhar status de ídolo nacional, o único artista internacional do Brasil, nas palavras de Chico Anysio. "Ele fazia o que queria de sua voz privilegiada", diz o crítico Ricardo Cravo Albin. Mas seu sucesso e seu jeito mascarado começaram a incomodar. "Ele tinha três Mercedes. Era demais para um negão", ironiza o cantor Tony Tornado.
Em meio ao radicalismo da época, não tomava partido. O comediante Castrinho diz: "Imagina Simonal regendo a massa e de repente: 'E agora, todo mundo vai pegar no fuzil'". Mas, como mostram imagens em que aparece como palhaço, ele protestou de forma irreverente contra o racismo. Sua derrocada começa na hora em que se diz roubado pelo contador, Raphael Viviani. Pediu a dois amigos que dessem uma coça em Viviani. Só que os amigos eram do temido Dops. Na delegacia, assustado com o desdobramento do caso, Simonal se disse um homem do governo. "Espalhou-se a história de que estava entregando parceiros da profissão", diz Tornado. A delação era o pior crime, e ele virou alvo do "Pasquim". "Acho muito difícil que ele fosse informante do Dops. Ele não sabia de nada", diz Nelson Motta. Boni explica que ele não contava com uma rede de simpatia que o defendesse, como Chico ou Caetano. Langer observa:
- Simonal se deu a própria rasteira. O problema é que as pessoas não estenderam a mão para ele se levantar. Ele achou que era intocável.
O trio de diretores entrevistou 25 pessoas, a mais importante delas o contador. Eles contrataram um detetive para ir atrás de Viviani, do delegado, dos dois policiais e do motorista de Simonal.
Palavra [En]cantada: um filme de Helena Solberg
Para alguns estudiosos e observadores da literatura, a poesia se caracteriza por uma criação artística que existe sozinha: tem suas regras, suas formas, seus sons próprios e estes a fazem plena unicamente em si, podendo dispensar acompanhamentos. É comum que numa roda, reunindo esses mesmos estudiosos e observadores da literatura, lá pelas tantas, pelo quarto copo de vinho, alguém declare a sentença: Chico Buarque, por exemplo, não é poeta, é músico. A partir daí a conversa, antes consenso, vai virar uma discussão sem fim e depois de meses, dois ou três daqueles amantes das letras ainda estarão se odiando mortalmente. Fatalmente vão produzir alguns tratados que não nos tocarão em nada.
Palavra [En]cantada é um filme que ronda o mistério das palavras ditas e entoadas sem chegar perto desse tipo de debate onde um bom e velho veneno da vaidade academicista sempre mata um pouco mais a gente. Dirigido por Helena Solberg, com argumento de Marcio Debellian, o documentário segue uma reflexão a respeito dos momentos em que música brasileira e poesia convergiram.
Através do depoimento de grandes nomes da música nacional, Sodenberg nos leva a fogo brando pela história e escolas da música brasileira; dos morros cariocas à periferia de São Paulo, passando pela Bahia e pelo mangue pernambucano. O documentário parte da idílica existência dos trovadores, aqueles artistas medievais que inventaram a poesia musicada e a espalharam de tal forma que são considerados o marco zero da literatura como hoje a conhecemos. A partir daí nomes como Tom Zé, Lenine, Maria Betânia, Martinho da Vila, Lirinha do Cordel do Fogo Encantado, BNegão e o próprio Chico Buarque, vão falar sobre a presença da poesia em suas canções e dão versões sobre o porque e do como esses encontros acontecem.
O filme traz ainda imagens de arquivo recuperadas, algumas nunca vistas, como as de carnavais na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro e encenações de Morte e Vida Severina pelo grupo de teatro da PUC (o primeiro a montar a peça, em 1965), além de raridades como a entrevista de Caetano Veloso, falando sobre porque combinou na sua música Coca-Cola e Brigite Bardot, e apresentações de repentistas do Nordeste em meados do século passado.
Na junção de todos os seus segundos e coisas ditas, Palavra [En]cantada nos faz descobrir muito mais sobre música, poesia e brasilidade do que muitos foram capazes de fazer. A contribuição é enorme: enfrentar a particularidade do caso nacional, onde a palavra escrita não conseguiu até hoje criar raízes fortes e onde a literatura só pôde se expandir através da oralidade - o que nos torna indivisíveis da maior parte da África - e abre um novo leque de possibilidades para entendermos a absurda riqueza de formas e sons da nossa língua e da nossa música. Solberg e Debellian pariram um filme essencial para quem ainda acredita que a beleza salvará o mundo.
Palavra [En]cantada é um filme que ronda o mistério das palavras ditas e entoadas sem chegar perto desse tipo de debate onde um bom e velho veneno da vaidade academicista sempre mata um pouco mais a gente. Dirigido por Helena Solberg, com argumento de Marcio Debellian, o documentário segue uma reflexão a respeito dos momentos em que música brasileira e poesia convergiram.
Através do depoimento de grandes nomes da música nacional, Sodenberg nos leva a fogo brando pela história e escolas da música brasileira; dos morros cariocas à periferia de São Paulo, passando pela Bahia e pelo mangue pernambucano. O documentário parte da idílica existência dos trovadores, aqueles artistas medievais que inventaram a poesia musicada e a espalharam de tal forma que são considerados o marco zero da literatura como hoje a conhecemos. A partir daí nomes como Tom Zé, Lenine, Maria Betânia, Martinho da Vila, Lirinha do Cordel do Fogo Encantado, BNegão e o próprio Chico Buarque, vão falar sobre a presença da poesia em suas canções e dão versões sobre o porque e do como esses encontros acontecem.
O filme traz ainda imagens de arquivo recuperadas, algumas nunca vistas, como as de carnavais na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro e encenações de Morte e Vida Severina pelo grupo de teatro da PUC (o primeiro a montar a peça, em 1965), além de raridades como a entrevista de Caetano Veloso, falando sobre porque combinou na sua música Coca-Cola e Brigite Bardot, e apresentações de repentistas do Nordeste em meados do século passado.
Na junção de todos os seus segundos e coisas ditas, Palavra [En]cantada nos faz descobrir muito mais sobre música, poesia e brasilidade do que muitos foram capazes de fazer. A contribuição é enorme: enfrentar a particularidade do caso nacional, onde a palavra escrita não conseguiu até hoje criar raízes fortes e onde a literatura só pôde se expandir através da oralidade - o que nos torna indivisíveis da maior parte da África - e abre um novo leque de possibilidades para entendermos a absurda riqueza de formas e sons da nossa língua e da nossa música. Solberg e Debellian pariram um filme essencial para quem ainda acredita que a beleza salvará o mundo.
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Vídeo
Bono contra Elvis
Ivan Lessa
Bono, o bom, irlandês de óculos que se diz músico e compositor, deverá esta semana abrilhantar a programação da Radio 4 da BBC, tida como a mais literária de toda as emissoras da BBC. Fãs fervorosos da figura em questão terão o privilégio de ouvir o homem lendo na íntegra um poema de sua autoria intitulado: Elvis: David Americano.
As palavras enfileiradas mais abaixo foram publicadas pela primeira vez em 1995, mas a gravação a ser tocada data de 2006, quando Bono decidiu ler em voz alta seu tributo épico a Elvis Presley no decorrer de uma entrevista.
Conhecedores de música popular já se pronunciaram a respeito. No cômputo geral, a conclusão é de que as 805 palavras do - não há como evitar a palavra - poema são efetivas embora totalmente bonkers.
Ponto, parágrafo. Bonkers. Ou seja, aloprado, doido, maluco.
Sem dúvida que a resenha crítica não é das mais elucidativas. Tento, nas linhas que se seguem, passar adiante um pouco da sensibilidade e estro criativo do poeta do U2.
Mantenho as minúsculas e a falta de pontuação empregadas pelo vate Bono, à maneira inaugurada nos anos 20 do século passado pelo poeta americano ee cummings. Um exegeta mais exigente chegou a sugerir que o recurso estilístico talvez se devesse ao fato de Bono ter feito uso do telefone para passar adiante suas inspiradas linhas. Celular vistoso, com toda certeza.
Vamos ao tributo épico de Bono.
***
elvis
foi o mais famoso cantor do mundo desde
o rei davi
elvis
gostava de brincar de polícia motorizado
elvis
tinha um macaco chamado bubbles antes de qualquer outra pessoa
***
Pausa para elucidação. O macaco de Elvis chamava-se Scatter. Scatter, além de morder, bebia e tinha a mania de levantar a saia das moças e ficar espiando suas intimidades.
Continuando com Bono:
***
elvis usou uma capa na casa branca quando ele
foi presentear nixon com duas pistolas de prata
elvis
cujo corpo não parava de se mexer
elvis está vivo, nós estamos mortos
elvis
o carismático
elvis
o estático
elvis
o plástico
elvis
o elástico
com uma dança espástica que talvez explique a energia
da América
elvis
sorvete de baunilha
elvis
garotas de 14
elvis
spleen de memphis
atirando na tv
lendo aos coríntios 13
elvis
com Deus nos joelhos
elvis
em três tvs
elvis
aí vem as abelhas assassinas
a cabeça cheia de mel
batatas fritas e queijo
***
Eu faço restrições à obra. Mencionar 104 vezes o nome de Elvis, por exemplo. E se tirássemos - como um crítico apontou - o nome do falecido (falecido? Mesmo?), o poema resistiria? Aponto ainda duas discrepâncias: por que Deus com maiúsculas? Isso é concessão. Mais importante, a meu ver, é o fato de que o lírico irlandês colocou uma vírgula, uma única vírgula em todo o poema. Logo depois de "está vivo, nós estamos mortos".
O que terá Caetano Veloso achado disso tudo é a pergunta que não sai, mas não sai mesmo, de meu pensamento
Bono, o bom, irlandês de óculos que se diz músico e compositor, deverá esta semana abrilhantar a programação da Radio 4 da BBC, tida como a mais literária de toda as emissoras da BBC. Fãs fervorosos da figura em questão terão o privilégio de ouvir o homem lendo na íntegra um poema de sua autoria intitulado: Elvis: David Americano.
As palavras enfileiradas mais abaixo foram publicadas pela primeira vez em 1995, mas a gravação a ser tocada data de 2006, quando Bono decidiu ler em voz alta seu tributo épico a Elvis Presley no decorrer de uma entrevista.
Conhecedores de música popular já se pronunciaram a respeito. No cômputo geral, a conclusão é de que as 805 palavras do - não há como evitar a palavra - poema são efetivas embora totalmente bonkers.
Ponto, parágrafo. Bonkers. Ou seja, aloprado, doido, maluco.
Sem dúvida que a resenha crítica não é das mais elucidativas. Tento, nas linhas que se seguem, passar adiante um pouco da sensibilidade e estro criativo do poeta do U2.
Mantenho as minúsculas e a falta de pontuação empregadas pelo vate Bono, à maneira inaugurada nos anos 20 do século passado pelo poeta americano ee cummings. Um exegeta mais exigente chegou a sugerir que o recurso estilístico talvez se devesse ao fato de Bono ter feito uso do telefone para passar adiante suas inspiradas linhas. Celular vistoso, com toda certeza.
Vamos ao tributo épico de Bono.
***
elvis
foi o mais famoso cantor do mundo desde
o rei davi
elvis
gostava de brincar de polícia motorizado
elvis
tinha um macaco chamado bubbles antes de qualquer outra pessoa
***
Pausa para elucidação. O macaco de Elvis chamava-se Scatter. Scatter, além de morder, bebia e tinha a mania de levantar a saia das moças e ficar espiando suas intimidades.
Continuando com Bono:
***
elvis usou uma capa na casa branca quando ele
foi presentear nixon com duas pistolas de prata
elvis
cujo corpo não parava de se mexer
elvis está vivo, nós estamos mortos
elvis
o carismático
elvis
o estático
elvis
o plástico
elvis
o elástico
com uma dança espástica que talvez explique a energia
da América
elvis
sorvete de baunilha
elvis
garotas de 14
elvis
spleen de memphis
atirando na tv
lendo aos coríntios 13
elvis
com Deus nos joelhos
elvis
em três tvs
elvis
aí vem as abelhas assassinas
a cabeça cheia de mel
batatas fritas e queijo
***
Eu faço restrições à obra. Mencionar 104 vezes o nome de Elvis, por exemplo. E se tirássemos - como um crítico apontou - o nome do falecido (falecido? Mesmo?), o poema resistiria? Aponto ainda duas discrepâncias: por que Deus com maiúsculas? Isso é concessão. Mais importante, a meu ver, é o fato de que o lírico irlandês colocou uma vírgula, uma única vírgula em todo o poema. Logo depois de "está vivo, nós estamos mortos".
O que terá Caetano Veloso achado disso tudo é a pergunta que não sai, mas não sai mesmo, de meu pensamento