5.10.2009

Dionne e Gal


Antonio Carlos Miguel

por alguns instantes pensei que a quarta dose de Dionne Warwick seria em excesso. As primeiras sete canções foram no esquema rapidinho, com apenas uma passada pelas belas melodias de Bacharach, enquanto o formato daquele grupo, piano da diretora musical, Kathleen Rubbicco, mais baixo, bateria, percussão e dois teclados fazendo o papel cordas, flautas, também me parecia gasto - por que não contratar uns instrumentistas em cada país?, pensava.

até ela anunciar que daria um outro andamento a um dos clássicos de Bacharach & David, imprimindo mais balanço a "I say a little prayer" - foi uma prece profana, de um suingue lesado com clima de salsa e samba.

em seguida, "Fragile", de Sting, que ganhou status de standard, até a simpática sequência brazuca (quando o percussionista nascido em Brasília, Renato Pereira, há 15 anos na banda, ganha a adesão de dois ritmistas cariocas) que anunciou o que todos esperavam da noite: o encontro.

Dionne e Gal no "Piano na Mangueira" de Jobim e Chico, na "Bahia" ("Baixa do Sapateiro") de Ary e numa "Girl from the Ipanema" com sutil viés lésbico - será que sútil mesmo?

poderia ter acabado ali mas, antes do óbvio e burocrato número final, "That's what friends are for" (com Gal apenas se equilibrando na pronúncia na parte que coube a Elton John no disco original), volta o show de Dionne e o ápice da noite: "What the world needs now is love"...

Caetano e banda Cê: zii e zie dá onda!


Antonio Carlos Miguel

"Que onda, que onda, que onda que dá / Que bunda, que bunda!"
sim, o refrão, que se hospedou na minha cabeça durante a madrugada e esta manhã, é de "A cor amarela", mas serve também para descrever o efeito do show de "Zii e zie", que estreou nesta sexta no Canecão.
samba de roda que já era um dos destaques da temporada de "Obra em progresso", na qual foi gerado o disco, "A cor amarela" prossegue arrebatador. Assim como "Perdeu", cujo idem riff de guitarra pontua outros momentos - está tanto no fim de "Eu sou neguinha" (que vem emendada a "A cor amarela") quanto no de "Incompatibilidade de gênios", o samba de João Bosco e Aldir Blanc tão bem transfigurado na versão de Caetano.
mais músicas de "Zii e zie" rendem muito bem - "Lapa", "Falso Leblon", "Base de Guantánamo" (que leva ao transe) e mesmo "Lobão tem razão", esta, apesar da equivocada afirmação de seu título e letra. Mas, o que faz o show "Zii e zie" ser tão interessante é o elo com outras canções caetânicas, da guitarrada avant la lettre que é "Irene" (uma "zie" de "A cor amarela", e que, ao nascer, fim dos anos 1960, foi um estrondoso sucesso nos ares radiofônicos, numa época em que músicas como essa tocavam sem pressão, jabá) a "Objeto não identificado" e "A voz do morto" (com sua exaltação a Paulinho da Viola).
e em tudo, como vem desde "Cê", a guitarra de Pedro Sá é o grande trunfo: com timbres surpreendentes, solos sempre longe do óbvio, daquele gasto formato guitar-hero. Caetano, que anda numa fase de exaltação de heróis (da bela homenagem a Augusto Boal, após cantar sua "Maria Bethânia" dos tempos do exílio, a referência a Hermano Vianna, o "herói vivo" que bolou o agora encerrado blog "Obra em progresso") acertou em cheio ao apostar num antiguitar hero.
beirava uma da madrugada quando saímos do Canecão, talvez desse de pegar o show de Ed Motta na Fundição Progresso, que também deu muita onda, no ano passado, no Canecão, mas temos muito compromissos nesse sábado, incluindo um dos pedidos de zie Elsa: jogar suas cinzas no mar de Ipanema, Vai ser em horário perto da Marcha da Maconha, ou seja, de alguma forma, K e eu também estaremos solidários com o movimento pela liberação da erva, que dá onda.
depois tento contar mais um pouco, e em breve boto alguns dos trechos filmados por K


'Ovo', de Deborah Colker, deixa o Brasil impresso no Cirque du Soleil


Marília Martins

MONTREAL, Canadá - As imagens impressionam: uma floresta de insetos, flores gigantes, teias elásticas, cores fortes e uma sequência de ritmos muito brasileiros, do samba ao forró, do funk carioca ao baião e ao carimbó, que faz a plateia dançar. Mais ainda: ginastas transformados em bailarinos, que logo viram acrobatas do mais famoso circo do mundo. A estreia de "Ovo", o primeiro espetáculo do Cirque du Soleil dirigido por uma mulher, foi delirantemente aplaudida, na sede da companhia, no Canadá. E a coreógrafa carioca Deborah Colker ria de orelha a orelha: tinha vencido o desafio de deixar sua marca pessoal numa companhia com mais de 25 anos de estrada, internacionalmente conhecida por ter revolucionado a linguagem dos espetáculos circenses. A marca de Deborah, que é também a do cenógrafo Gringo Cardia e a do diretor musical Berna Ceppas, se faz com essa reinvenção da acrobacia em forma de dança, da dança em forma de mímica, da mímica em forma de circo, e do circo em forma de ginástica quase olímpica.
Confira fotogaleria com imagens do espetáculo 'Ovo'
São 53 artistas, de mais de dez nacionalidades, numa produção de R$ 88 milhões que levou dois anos para sair do papel e chegar ao picadeiro. A rotina de mais de 12 horas de trabalho diário levou Deborah, Gringo e Ceppas a se mudarem para Montreal há dois anos e a contratarem uma equipe de tradutores para driblar os problemas de comunicação com um elenco que parecia saído de uma torre de Babel.
" É um espetáculo muito grande, e eu acordo no meio da noite com esse circo rodando nos meus sonhos "
- Minha cabeça não parou um minuto. É um espetáculo muito grande, e eu acordo no meio da noite com esse circo rodando nos meus sonhos, com esses movimentos ganhando espaço até nas paredes do meu quarto... - diz Deborah.
A estreia foi nervosa: a rede de segurança dos acrobatas demorou para ser esticada; um número inteiro de dança e acrobacia foi incluído na última semana, a pedido do diretor artístico do Cirque du Soleil, Gilles Ste-Croix. Um teste para nervos de aço. Ste-Croix costuma ser chamado de "leão" por defender o padrão de qualidade da companhia e demitir diretores até às vésperas de estreias. Mas tudo deu certo, mesmo que o cronômetro de Deborah tenha registrado um atraso aqui e outro ali. Lá estavam os trapezistas rodopiando no ar, o equilibrista de cabeça para baixo numa bicicleta suspensa num fio e os saltos entremeados da ginga de coreografias brasileiríssimas. Tudo dançado com precisão pela turma de estrangeiros que aprendeu com Deborah a rebolar no "sambandinho" e a cantar em português, o que a cantora canadense Marie Claude Marchand faz com perfeição, chegando a confundir os poucos brasileiros presentes com sua imitação do sotaque carioca da bossa nova, à frente de uma banda com quatro músicos brasileiros.
Por que o 25º espetáculo do Cirque du Soleil tem como tema o mundo dos insetos? Porque o circo queria falar de meio ambiente, e Deborah resolveu unir natureza, espaço e movimento a partir de uma visão do submundo de criaturas que podem voar, rastejar, saltar ou escalar paredes, tecer teias e ter bem mais do que quatro patas. A coreógrafa mergulhou nesse universo de mosquitos, aranhas, gafanhotos e baratas, que costuma ser desprezado e temido por seres humanos, como quem embarca numa fantasia de ritmos de vida, movimentos e sons.

Série na Caixa Cultural debate a música brasileira vista pela lente de seus biógrafos

RIO - Escritores, mediador, perguntas da plateia... À primeira vista, a série "Toca-livros" - que será realizada esta semana, de terça a sexta-feira, às 19h30m, no Teatro de Arena da Caixa Cultural - é um típico ciclo de debates, no caso sobre livros dedicados a personagens da música brasileira. Mas Edison Viana, idealizador e produtor do projeto, prefere defini-lo como um misto de entrevista coletiva e programa de rádio.
- As perguntas podem ser feitas a todo momento. E teremos músicas para ilustrar a conversa - explica Viana.
No primeiro encontro, os convidados são Arthur Dapieve e Carlos Marcelo, autores de obras sobre Renato Russo; na quarta-feira, Marília Barboza fala de seu trabalho sobre Cartola; Ruy Castro aborda seu livro sobre Carmen Miranda, no terceiro debate; Paulo Cesar de Araújo e sua biografia proibida de Roberto Carlos encerram a sequência.
Os encontros serão gravados. O projeto de Viana é transformar o "Toca-livros" em programa de rádio, série de TV e, mais tarde, num documentário sobre a forma como a música brasileira aparece nos livros:
- Fala-se muito sobre discografia da música brasileira e sua filmografia. Mas sua bibliografia é esquecida. Não se parou para pensar nesse conjunto de livros, seus enfoques, os temas abordados.

Toca-livros: Caixa Cultural RJ - Teatro de Arena. Av. Almirante Barroso, 25 - Centro. Tel.: 2544-4080. De 12 a 15 de maio. Entrada franca (distribuição de senhas no local, a partir das 18h30min)