5.10.2009

'Ovo', de Deborah Colker, deixa o Brasil impresso no Cirque du Soleil


Marília Martins

MONTREAL, Canadá - As imagens impressionam: uma floresta de insetos, flores gigantes, teias elásticas, cores fortes e uma sequência de ritmos muito brasileiros, do samba ao forró, do funk carioca ao baião e ao carimbó, que faz a plateia dançar. Mais ainda: ginastas transformados em bailarinos, que logo viram acrobatas do mais famoso circo do mundo. A estreia de "Ovo", o primeiro espetáculo do Cirque du Soleil dirigido por uma mulher, foi delirantemente aplaudida, na sede da companhia, no Canadá. E a coreógrafa carioca Deborah Colker ria de orelha a orelha: tinha vencido o desafio de deixar sua marca pessoal numa companhia com mais de 25 anos de estrada, internacionalmente conhecida por ter revolucionado a linguagem dos espetáculos circenses. A marca de Deborah, que é também a do cenógrafo Gringo Cardia e a do diretor musical Berna Ceppas, se faz com essa reinvenção da acrobacia em forma de dança, da dança em forma de mímica, da mímica em forma de circo, e do circo em forma de ginástica quase olímpica.
Confira fotogaleria com imagens do espetáculo 'Ovo'
São 53 artistas, de mais de dez nacionalidades, numa produção de R$ 88 milhões que levou dois anos para sair do papel e chegar ao picadeiro. A rotina de mais de 12 horas de trabalho diário levou Deborah, Gringo e Ceppas a se mudarem para Montreal há dois anos e a contratarem uma equipe de tradutores para driblar os problemas de comunicação com um elenco que parecia saído de uma torre de Babel.
" É um espetáculo muito grande, e eu acordo no meio da noite com esse circo rodando nos meus sonhos "
- Minha cabeça não parou um minuto. É um espetáculo muito grande, e eu acordo no meio da noite com esse circo rodando nos meus sonhos, com esses movimentos ganhando espaço até nas paredes do meu quarto... - diz Deborah.
A estreia foi nervosa: a rede de segurança dos acrobatas demorou para ser esticada; um número inteiro de dança e acrobacia foi incluído na última semana, a pedido do diretor artístico do Cirque du Soleil, Gilles Ste-Croix. Um teste para nervos de aço. Ste-Croix costuma ser chamado de "leão" por defender o padrão de qualidade da companhia e demitir diretores até às vésperas de estreias. Mas tudo deu certo, mesmo que o cronômetro de Deborah tenha registrado um atraso aqui e outro ali. Lá estavam os trapezistas rodopiando no ar, o equilibrista de cabeça para baixo numa bicicleta suspensa num fio e os saltos entremeados da ginga de coreografias brasileiríssimas. Tudo dançado com precisão pela turma de estrangeiros que aprendeu com Deborah a rebolar no "sambandinho" e a cantar em português, o que a cantora canadense Marie Claude Marchand faz com perfeição, chegando a confundir os poucos brasileiros presentes com sua imitação do sotaque carioca da bossa nova, à frente de uma banda com quatro músicos brasileiros.
Por que o 25º espetáculo do Cirque du Soleil tem como tema o mundo dos insetos? Porque o circo queria falar de meio ambiente, e Deborah resolveu unir natureza, espaço e movimento a partir de uma visão do submundo de criaturas que podem voar, rastejar, saltar ou escalar paredes, tecer teias e ter bem mais do que quatro patas. A coreógrafa mergulhou nesse universo de mosquitos, aranhas, gafanhotos e baratas, que costuma ser desprezado e temido por seres humanos, como quem embarca numa fantasia de ritmos de vida, movimentos e sons.

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