Kimberly White/Reuters
Werner Herzog, que diz ver apenas dois filmes por ano
Por Fernanda Ezabella (em Los Angeles)
O diretor alemão Werner Herzog, 66, tem dois longas inéditos na manga e um curta que rodou na Etiópia, além de uma ópera montada na Espanha e um livro em inglês, tudo realizado nos últimos 11 meses.
A seguir, leia trechos inéditos da entrevista que o cineasta deu à Folha, em sua casa em Los Angeles, cidade onde mora há cerca de dez anos. Aqui, ele fala sobre Hollywood, reality shows, financiamento de filmes e a busca pelo “êxtase da verdade”.
Como é viver em Los Angeles, onde se concentra a indústria do cinema?
Ela existe, mas não me afeta. Não que eu vá dizer que é ridícula. É como deve ser. Eu amo alguns filmes de Hollywood, como os filmes de Fred Astaire, são alguns dos melhores que Hollywood já criou. Então, tem sua beleza. Mas só por coincidência eu vivo aqui. Não sou parte disso. Hollywood é uma definição cultural. Quando você vê “Transformers” ou “Transporters”, qual é mesmo o nome? Existe uma certa definição cultural ali. E a minha definição cultural é bavariana.
Mas também existem os filmes independentes em Hollywood.
Cinema independente não existe. É um mito. Cinema independente apenas existe nos filmes caseiros, que você faz nas férias, na praia no Havaí, para mostrar para sua família. Todo o resto é dependente, de finanças, sistema de distribuição, mídia, de tudo, dos sindicatos, sindicatos de atores, diretores, roteiritistas.
E quanto aos programas de TV americanos? Li que o senhor gostava dos reality shows.
Não, não vejo nada. Na época assisti ao [reality] da [ex-coelhinha da ‘Playboy’] Ann Nicole Smith. Claro que ela era um fenômeno interessante, porque você tem que pensar em novos ícones de “beleza”, e eu tenho que dizer isso entre aspas. É uma beleza disforme, como os bodybuilders. Quase grotesco. E por causa disso ela era um fenômeno interessante.
O que te faz dizer então que Los Angeles é a cidade com mais substância dos Estados Unidos?
Por exemplo, o Museum of Jurassic Technologies, que provavelmente você nunca conheceu. Foi um homem genial que o fundou, fica no Venice Boulevard e muito do conteúdo do museu é completamente fantástico. E a 30 minutes daqui, em Pasadena, tem um laboratório de aviões a jato, com um centro de controle de inúmeras missões e um arquivo da Nasa com milhões e milhões de coisas preservadas de explorações do nosso sistema solar, da Lua. Los Angeles é cheia de coisas assim. E você encontra aqui os melhores escritores, fotógrafos, músicos, as coisas realmente são feitas aqui. Mas você precisa olhar além da superfície. E eu vivo completamente além da superfície. Por isso as pessoas mal sabem que eu vivo aqui.
O senhor costuma ir com que frequência aos cinemas?
Eu raramente vejo filmes. Nunca vou a nenhuma première de cinema, vejo talvez dois filmes por ano.
Por quê?
Não sei. Não tenho muito tempo de ver filmes. Nos últimos 11 meses, eu fiz dois longas-metragens e um curta na Etiópia. Fiz uma ópera (Parsifal) em Valência, publiquei o livro “Conquest of the Useless” em inglês e trabalhei muito na sua tradução, e agora estou preparando outros projetos. Não sou um workaholic, eu trabalho muito focado e quieto e é isso. Eu nunca fui de ver muitos filmes. Nunca, nunca.
Nem quando era mais jovem e decidiu fazer cinema?
Não, eu não via muitos filmes.
O senhor gosta de dizer que o cinema verdade [vertente do documentário] não vai a fundo na verdade. Mas, ao mesmo tempo, diz que seus documentários não são documentários.
Isso me levaria 48 horas para explicar. Mas, para encurtar, digo que estou atrás de algo diferente do que o cinema verdade, simplesmente porque o cinema verdade é muito baseado em fatos, e fatos não signifcam necessariamente a verdade.
Mas, quando você faz um documentário, você encena, repete as cenas várias vezes. Como acha que está chegando mais perto da verdade assim?Estou chegando perto da poesia, perto da imaginação, de algo que nos ilumina. E daí temos outra qualidade de verdade nisso, é um êxtase da verdade.
E da onde vêm as ideias para tantos filmes?
Elas sempre vêm até mim, como uma invasão, como ladrões na calada da noite, invadindo uma casa. Agora, enquanto estamos sentados aqui, sete, oito novos projetos estão forçando a porta para entrar. Não é que eu fico planejando uma carreira, eu nunca tive uma carreira. Você vê, outros [diretores] vão atrás de livros best-sellers, recém-lançados, para ver o que dá para transformar em um filme. Eu nunca estive nisso. Mas você pode ficar tranquila, eu tenho muitas histórias boas ainda para contar.
Ficou mais fácil para financiar seus filmes hoje?
Nao. É mais difícil hoje.
Por quê?
Não vou falar da crise financeira, que claro que dificulta as coisas. Mas todos os distribuidores que existiam dos meus filmes, ou as distribuidoras dos meus filmes no Brasil e outros lugares, se extinguiram. E o público quase do mundo inteiro mudou sua atenção para filmes mais como “O Exterminador do Futuro” e menos para filmes como “Aguirre”. Então é uma grande mudança. E agora a atenção é mais para a internet. Mas eu nunca vou reclamar, porque sempre dou um jeito de fazer o meu próximo filme, e o próximo e o próximo.
Fonte Folha Online
7.26.2009
Quando tudo parece já perdido na Cinelândia, surge o Ateliê Culinário do Odeon
Luciana Fróes
RIO - Transitar hoje pela Cinelândia é (quase) um pesadelo. Não fosse a beleza do Teatro Municipal, o desconforto seria completo. De dia - e posso imaginar à noite - a praça é um mar de mendigos, pivetes e (oh, céus) grupos evangélicos que soltam a voz em nome de Deus. Como se não bastasse o mix indigesto, a área abriga um corredor de bares que acenam com o pior da baixa gastronomia carioca (e que alguém socorra o Amarelinho, urgente!). Daí, bastou eu alcançar o Odeon e adentrar o Ateliê Culinário para que o alívio fosse imediato.
Além do charme das instalações da casa, o espaço conta com uma simpática livraria montada ao longo da escadaria que nos leva ao mezanino. E é justo ali que se almoça usufruindo a beleza da praça da melhor maneira (hoje) possível: de longe. E do alto.
Estive no Ateliê numa sexta-feira de temperatura amena, em que a maior atração do dia era a feijoada (R$ 22, com direito a uma dose de cachaça). Fui em frente: passei os olhos na seleção de sanduíches do cardápio. Apesar da simpática homenagem ao cinema nacional, não me pareceu animador comer um Lavoura Arcaica, muito menos um Madame Satã.
Então, me deixei fisgar pela tigelinha de moqueca de namorado (R$ 24), que chegou em um bowl branco e fundo, com arroz integral (dá para escolher), nacos de peixe, rodelas de banana-da-terra (que adoro) e lâminas de coco queimado salpicadas por cima. Fumegante. Delicioso. Acompanhei com uma taça de rosé nacional (R$ 10,50).
Só titubeei na sobremesa: tiramisù (R$ 7,50) ou cheesecake de cassis ou goiaba? Fui na certa, no de goiaba (R$ 8), clássico desde os tempos do Ateliê Culinário da Rua Dias Ferreira. A casa da Cinelândia não é nova, mas, talvez por conta da deterioração da área, a filial dessa rede de cafés (hoje restrita às antessalas de cinemas) nunca me pareceu tão gostosa, charmosa, bem cuidada e - ufa - bem localizada. Aleluia!
Ateliê Culinário Odeon: Rua Floriano Peixoto 7, Centro - 2240-2573. Seg a sex, do meio-dia às 22h. C.C.: