Enviado por Ivan Valente -
A Comissão Parlamentar de Inquérito da Dívida Pública iniciou suas atividades no mês passado e terá um grande trabalho pela frente. Seu primeiro grande desafio é superar as obstruções e ataques daqueles que não querem investigar nada, dos que não topam mexer com esse vespeiro, afinal, toca em interesses poderosos.
Está mais do que na hora de investigar o mecanismo que é o principal gargalo do desenvolvimento brasileiro. Uma investigação profunda, que não se restrinja ao período de apenas um governo. A vida mostrou como a política neoliberal no Brasil aprofundou um modelo dependente financeiramente, que tem como pedra angular a dívida pública.
Uma política que ainda prevalece. É por ela que o país sofre uma hemorragia brutal nas suas finanças, via recursos orçamentários e a emissão de títulos públicos – resultado de escolhas políticas de governantes.
Trata-se de um sistema que se retroalimenta e inviabiliza qualquer crescimento sustentável e com justiça social Só na cabeça de quem se abraçou com o pensamento único do liberalismo é possível pensar que não há outras vias e modo de pensar a economia e seus beneficiários.
Na CPI da Dívida, o PSOL, que propôs a abertura da Comissão, objetiva dinamizar o debate e trazer elementos substantivos para a discussão sobre a dívida pública.
O que não se pode é transformar o instrumento CPI numa sequência de audiências vazias, retirando seu poder de convocar, requerer documentos essenciais, investigar, de sugerir ao Ministério Público medidas punitivas ou corretivas e colocar a necessidade de governo assumir uma auditoria da dívida pública.
O que não se pode é promover uma movimentação de caráter francamente ideológico, orquestrada por alguns que não suportam sequer discutir os fundamentos da política neoliberal, questionar a infalibilidade do mercado e principalmente colocar a nu um mecanismo de endividamento responsável pela contínua sangria e transferência de recursos do povo brasileiro aos banqueiros e rentistas.
Apenas nos governos dos dois últimos presidentes, a dívida interna brasileira aumentou 28 vezes. No começo do governo FHC, era de R$ 61,8 bilhões. Em julho deste ano, no governo Lula, atingiu a cifra de R$ 1,76 trilhão.
De 1995 a 2008, o governo federal gastou R$ 906,6 bilhões com juros e R$ 879 bilhões com amortizações das dívidas interna e externa públicas.
Nesses extraordinários montantes não estão incluídos quase R$ 4 trilhões de rolagem da dívida através da emissão de títulos públicos.
Em 2008, considerando apenas os recursos da União, o país desembolsou 30% de seu orçamento somente com juros e amortizações. Se for computado o valor emitido em títulos públicos para a rolagem da dívida, o total de recursos em um ano é de 47% da arrecadação de impostos.
Mesmo assim, a dívida interna explodiu e a dívida externa continua crescendo. Esse quadro de crescimento contínuo é esclarecedor do impacto desta lógica na política econômica – de encolhimento de recursos para a área social, do sucateamento dos serviços e enxugamento da máquina pública. Isto aumenta a miséria e ainda mais a desigualdade social.
Nosso endividamento é absolutamente deletério para a Nação, pois transformou o país num centro especulativo e plataforma de exportação líquida de capitais.
Seguir sem questionamento com o pagamento da dívida pública, mesmo que ilegal, ilegítima e imoral, tornou-se algo insustentável.
Com os trabalhos da CPI, pretendemos mostrar que, enquanto a dívida pública ocupar o centro da política econômica brasileira, serão necessários superávits primários gigantes em detrimento do social e da infra-estrutura.
Enquanto vigorar este mecanismo cruel, o Brasil continuará pagando taxas de juros siderais, mesmo com uma inflação mais baixa – tudo isso em meio à maior crise econômica vivida pelo capitalismo.
A CPI da Dívida Pública constitui-se um poderoso instrumento para superar esse modelo perverso, rumo a um desenvolvimento sustentável e socialmente justo para o país.
Deputado Ivan Valente (PSOL/SP) é membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e segundo vice-presidente da CPI da Dívida Pública.
9.20.2009
Texto de 'Despertar' é mais forte do que música
Mauro Ferreira
Escrito em 1891 pelo dramaturgo alemão Frank Wedeking, o texto original da peça O Despertar da Primavera atravessou com êxito gerações e países por abordar o tema atemporal e universal das descobertas angustiadas da adolescência. Em 2006, o texto chegou ao circuito off-Broadway (e logo depois à Broadway propriamente dita), adaptado e acrescido de canções na forma de musical. É essa versão musicada que ganha sua eficiente primeira montagem brasileira sob a ótica de Charles Möeller & Cláudio Botelho. A grife da dupla que tirou definitivamente o ranço amador dos musicais montados no Brasil - salvo algumas exceções como as encenações de Bibi Ferreira e o arrebatador Somos Irmãs - legitima e valoriza o espetáculo em cartaz no Teatro Villa-Lobos, no Rio de Janeiro (RJ), até 15 de novembro. Ainda assim, se o texto ainda resulta forte, a música em si (a cargo de Ducan Sheik) resulta quase sempre aquém da trama, sem ostentar aquele vigor juvenil que se espera de um score composto a partir de temas tão pungentes. Contudo, as letras (vertidas por Botelho com sua habitual habilidade para criar versos em português que soam plausíveis) cumprem a função de fazer a narrativa progredir.
Emoldurados pelo cenário intencionalmente opressor de Rogério Falcão, os atores da versão brasileira - selecionados através de testes - dão voz e vida a personagens bem intensos, pautados por conflitos dramáticos. O destaque maior do bom elenco nacional é Pierre Baitelli, intérprete do questionador Melchior Gabor, par romântico de Wendla (Malu Rodrigues, sem a expressão exigida pela personagem). Baitelli conduz com brilho as transformações de Melchior, em atuação emocionada e de forte empatia com o público. Merece registro também a atuação de Rodrigo Pandolfo, que encarna o trágico Moritz. Enfim, pelo apuro técnico e visual, O Despertar da Primavera resulta sedutor em sua montagem brasileira. Mas o fato é que a música de Ducan Sheik quase nunca está à altura da matéria-prima original. Apesar de os versos de temas como Mama Who Bore me, I Believe, The World of your Body e The Dark I Know Well traduzirem bem os anseios e dilemas juvenis que norteiam o texto e sustentam o interesse pelo musical.
Resenha de Musical
Título: O Despertar da Primavera
Texto original: Frank Wedekind
Música: Ducan Sheik
Letras: Steven Sater
Direção: Charles Möeller
Versão brasileira e supervisão musical: Cláudio Botelho
Elenco: Pierre Baitelli, Malu Rodrigues, Letícia Colin,
Rodrigo Pandolfo, Thiago Amaral, Débora Olivieri
e Carlos Gregório, entre outros atores
Cotação: * * * 1/2
Em cartaz no Teatro Villa-Lobos, no Rio de Janeiro (RJ)
De quinta-feira a domingo, até 15 de novembro de 2009