9.20.2009

Medo de investigar a dívida pública

Enviado por Ivan Valente -

A Comissão Parlamentar de Inquérito da Dívida Pública iniciou suas atividades no mês passado e terá um grande trabalho pela frente. Seu primeiro grande desafio é superar as obstruções e ataques daqueles que não querem investigar nada, dos que não topam mexer com esse vespeiro, afinal, toca em interesses poderosos.
Está mais do que na hora de investigar o mecanismo que é o principal gargalo do desenvolvimento brasileiro. Uma investigação profunda, que não se restrinja ao período de apenas um governo. A vida mostrou como a política neoliberal no Brasil aprofundou um modelo dependente financeiramente, que tem como pedra angular a dívida pública.
Uma política que ainda prevalece. É por ela que o país sofre uma hemorragia brutal nas suas finanças, via recursos orçamentários e a emissão de títulos públicos – resultado de escolhas políticas de governantes.
Trata-se de um sistema que se retroalimenta e inviabiliza qualquer crescimento sustentável e com justiça social Só na cabeça de quem se abraçou com o pensamento único do liberalismo é possível pensar que não há outras vias e modo de pensar a economia e seus beneficiários.
Na CPI da Dívida, o PSOL, que propôs a abertura da Comissão, objetiva dinamizar o debate e trazer elementos substantivos para a discussão sobre a dívida pública.
O que não se pode é transformar o instrumento CPI numa sequência de audiências vazias, retirando seu poder de convocar, requerer documentos essenciais, investigar, de sugerir ao Ministério Público medidas punitivas ou corretivas e colocar a necessidade de governo assumir uma auditoria da dívida pública.
O que não se pode é promover uma movimentação de caráter francamente ideológico, orquestrada por alguns que não suportam sequer discutir os fundamentos da política neoliberal, questionar a infalibilidade do mercado e principalmente colocar a nu um mecanismo de endividamento responsável pela contínua sangria e transferência de recursos do povo brasileiro aos banqueiros e rentistas.
Apenas nos governos dos dois últimos presidentes, a dívida interna brasileira aumentou 28 vezes. No começo do governo FHC, era de R$ 61,8 bilhões. Em julho deste ano, no governo Lula, atingiu a cifra de R$ 1,76 trilhão.
De 1995 a 2008, o governo federal gastou R$ 906,6 bilhões com juros e R$ 879 bilhões com amortizações das dívidas interna e externa públicas.
Nesses extraordinários montantes não estão incluídos quase R$ 4 trilhões de rolagem da dívida através da emissão de títulos públicos.
Em 2008, considerando apenas os recursos da União, o país desembolsou 30% de seu orçamento somente com juros e amortizações. Se for computado o valor emitido em títulos públicos para a rolagem da dívida, o total de recursos em um ano é de 47% da arrecadação de impostos.
Mesmo assim, a dívida interna explodiu e a dívida externa continua crescendo. Esse quadro de crescimento contínuo é esclarecedor do impacto desta lógica na política econômica – de encolhimento de recursos para a área social, do sucateamento dos serviços e enxugamento da máquina pública. Isto aumenta a miséria e ainda mais a desigualdade social.
Nosso endividamento é absolutamente deletério para a Nação, pois transformou o país num centro especulativo e plataforma de exportação líquida de capitais.
Seguir sem questionamento com o pagamento da dívida pública, mesmo que ilegal, ilegítima e imoral, tornou-se algo insustentável.
Com os trabalhos da CPI, pretendemos mostrar que, enquanto a dívida pública ocupar o centro da política econômica brasileira, serão necessários superávits primários gigantes em detrimento do social e da infra-estrutura.
Enquanto vigorar este mecanismo cruel, o Brasil continuará pagando taxas de juros siderais, mesmo com uma inflação mais baixa – tudo isso em meio à maior crise econômica vivida pelo capitalismo.
A CPI da Dívida Pública constitui-se um poderoso instrumento para superar esse modelo perverso, rumo a um desenvolvimento sustentável e socialmente justo para o país.

Deputado Ivan Valente (PSOL/SP) é membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e segundo vice-presidente da CPI da Dívida Pública.

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