6.28.2009

A contradição de João Gilberto


Débora Costa e Silva

“Quando a gente fala de bossa nova, fala do João Gilberto, mas já existe uma contradição aí, porque bossa nova é João Gilberto, mas João Gilberto não é bossa nova.” A frase do músico e jornalista Walter Garcia faz sentido. Associa-se muito o nome do violonista ao movimento musical da década de 60, mesmo que sua obra tenha mudado ao longo dos anos. Garcia escreveu sobre isso em sua tese de mestrado, que deu origem ao livro Bim Bom – A contradição sem conflitos de João Gilberto, onde explica a relação entre a obra do cantor e a convivência social, baseada na cordialidade do brasileiro.

Ele analisou tudo isso também no último dia 18, em uma das aulas do curso de MPB promovido pelo Espaço da Revista Cult. Dá início a palestra pedindo a todos que o questionem caso tenham alguma dúvida, pois, segundo ele, para explicar um artista que conhece bem a linguagem musical, é preciso explicar muitas coisas específicas de música. “Quero traduzir tudo na linguagem do dia-a-dia”. E para facilitar a compreensão, o jornalista levou um violão para que os alunos pudessem ver e ouvir o que João Gilberto faz.

A contradição sem conflitos de João Gilberto a que Garcia se refere sintetiza o conceito da cordialidade do brasileiro, tema abordado por Sérgio Buarque de Hollanda em Raízes do Brasil. Para exemplificar essa idéia, ele começou mostrando aos alunos passo a passo (acorde a acorde) a origem da batida da bossa nova. O cantor baiano se inspirou na linha rítmica de dois instrumentos que se destacam nos batuques do samba, o surdo e o tamborim, e adaptou o ritmo à batida do violão. “Ele saiu da batida do samba, criou uma batida nova, mas nas variações que faz ao tocar, se aproximou de novo do samba. Então o que ele faz é samba e não é”, conta.

Essa é apenas uma das contradições existentes em seu trabalho. No entanto, o jornalista acredita que essa contradição não apresenta conflitos, pois os elementos musicais não entram em choque um com outro. “Há uma linha tênue entre um ritmo e outro. Quando você percebe que ele está saindo da base que criou [com as variações da batida], ele volta à base novamente. É uma contradição que se dá harmoniosamente”, conclui.

Outro aspecto contraditório do compositor é o momento do show, onde acontece o encontro entre público e ídolo. O fato de ele interpretar as canções num volume muito baixo causa um certo desconforto na platéia. “A cada movimento que as pessoas fazem durante o show interfere no silêncio da platéia e cria aquele pânico: todo mundo fica com medo de atrapalhar e as pessoas têm que ficar totalmente entregues a música dele.” Quando o jornalista fala de contradição sem conflitos quer dizer que é uma ação sempre recoberta por uma harmonia, que faz com que tudo aquilo que possa gerar violência seja atenuado. “Tudo é recoberto por uma afetividade”, analisa. Na opinião de Garcia, essa sensação de harmonia é superficial, pois no fundo há uma contenção de emoção. No caso de um show de João Gilberto, a contenção da voz, dos movimentos e da manifestação da emoção do público. “A obra dele é lírica e trabalha com emoção, ao mesmo tempo que causa um distanciamento dela”, sintetiza.

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