"You don't deserve Cole Porter!"
(Você não merece Cole Porter)
por Malu Porto -
Pela frase proferida por Woody Allen à personagem de Dianne Wiest no filme "Hannah e Suas Irmãs", já conseguimos vislumbrar a dimensão da paixão do diretor pelo gênero jazz.
A cena em questão se passa durante o desastroso encontro de Mickey Sachs (Allen) e Holly (Wiest), logo após os dois terem saído de um bar onde Bobby Short fazia uma pequena participação cantando "I'm in Love Again".
Entre os fãs dos filmes de Allen é sabido que uma das características mais emblemáticas de suas produções é uma trilha sonora caprichada e recheada de standards – salvo algumas exceções, como, por exemplo, os "estrangeiros" "Match Point", em que o foco foi a ópera, e "O Sonho de Cassandra", musicado pelo célebre Philip Glass. No entanto, a paixão deste jazzófilo assumido não é platônica. O cineasta é também clarinetista e faz recorrentes apresentações em Nova York com sua banda, a New Orleans.
Woody com sua banda, a New Orleans
Um "causo" curioso, e sempre lembrado pela imprensa, aconteceu no ano de 1978, em que Allen ganhou o Oscar de melhor direção e roteiro por "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", e deixou de comparecer à cerimônia para não perder a jam-session da qual participava semanalmente, em um bar da Big Apple.
Notório pelo seu preciosismo ao escolher as canções, que costumam pertencer à corrente do jazz mais tradicional, Woody conta, em entrevista à revista "The Perfect Vision", em 2003, que, além de ser uma de suas partes preferidas, o orçamento musical de seus filmes gira em torno de um milhão de dólares. Isso porque o diretor não abre mão de seus compositores prediletos, como o já citado Porter, além de George Gershwin e da dupla Rodgers & Hart (famosa por clássicos como “Blue Moon” e “My Funny Valentine”)."O problema é que os caras que coloco em meus filmes são os mais caros de se conseguir os direitos. Aconteceu muitas vezes de o produtor me ligar dizendo: 'Você poderia usar alguma música diferente para aquela cena? Porque os direitos dela me custam 150 mil dólares e temos somente 40 mil em caixa para isso'" -- falou à publicação.
A bela fotografia em pb de Manhattan
Uma de suas maiores extravagâncias nesse quesito foi no filme “Manhattan” (1979), em que contratou a Orquestra Filarmônica de Nova York especialmente para interpretar canções de Gershwin, pinçadas a dedo, e prestar uma das mais belas homenagens à sua cidade-cenário favorita.
O início do filme, embalado pelo desabrochar da melodia de "Rhapsody in Blue", enquanto escuta-se a narração de Allen, é de um encantamento indescritível. Pérolas como “’S Wonderful”, “Embraceable You” e “I’ve Got a Crush on You” ajudam a compor o mosaico da trilha exclusiva do também nova-iorquino Gershwin. No entanto, a maioria das músicas utilizadas por Woody é de sua própria coleção de discos. Apesar de já ter trabalhado com compositores fixos, como Dick Hyman e Marvin Hamlisch, o cineasta diz não gostar do processo: "Você sabe, o cara tem que esperar até o filme estar terminado. Ele tem que ver o filme. E então ele tem que ir lá e compor a música, voltar e tocá-la e, com alguma esperança, posso gostar. E, se não gostar, tenho que dizer a ele que não gostei e ele vai ficar desapontado e zangado comigo” – desabafou ao jornalista da "The Perfect Vision".
Cartaz de Simplesmente Alice (1990)
Apesar de sua predileção ser pelos arranjos mais antigos e melódicos, o cineasta já abriu exceções para músicos modernos, como o pianista Thelonious Monk, no adorável “Simplesmente Alice”, em que a bela "Darn That Dream" entrou como pano de fundo para a cena de amor entre os personagens de Mia Farrow e John Mantegna.
O jazz, juntamente com a cidade de NY e a neurose de Allen (sempre presente em algum personagem), torna-se um elemento indissociável para compor uma espécie de "santa trindade", permitindo ao espectador reconhecer a patente "woodyana" em questão de segundos de exposição. Seja nos seus alteregos jazzófilos das telas, servindo de mote para diálogos amorosos ou mesmo ditando o tom de cenas corriqueiras, Woody Allen consegue usar o gênero de forma a renová-lo sempre, sem nunca deixá-lo com ares empoeirados ou roupagem antiquada.
Veja, no video abaixo (link), uma das maneiras mais criativas que o cineasta encontrou para revisitar clássicos, como "You Do Something to Me", de Cole Porter (quem mais?). Nesta cena do filme "Poderosa Afrodite", a música é interpretada pelo coro do teatro grego, composto pela Dick Hyman Chorus & Orchestra.
http://www.youtube.com/watch?v=93paEmldjqE&feature=player_embedded
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