7.27.2009

Lula, o criminalista do Planalto

Enviado por Jorge Antonio Barros -

Para proteger o presidente do Senado, José Sarney - seu aliado político - Lula fez um discurso sobre a relativização de crimes - dito em entrevista à Rádio Globo - que tem clara inspiração num dos expoentes do Direito Penal, Cesare Beccaria, autor do clássico "Dos delitos e das penas", do século XVIII. Aposto que aprendeu isso com seu ex-ministro da Justiça e conselheiro-mor, Márcio Thomaz Bastos, um dos mais bem sucedidos criminalistas do país. O presidente Lula tem incrível capacidade de aprender apenas escutando. É um autodidata típico.
Lula mais uma vez abriu mão de padrões de ética para seus pares, ao dizer que "uma coisa é matar, outra coisa é o lobby".
- Uma coisa é você matar, outra coisa é você roubar, outra coisa é você pedir um emprego, outra coisa é relação de influências, outra coisa é o lobby - disse Lula para atenuar os supostos delitos praticados por Sarney, que foi flagrado numa escuta telefônica participando de negociação de um cargo no Senado para o namorado da neta, um dos atos secretos da casa.
Pioneiro do Direito Penal liberal, o italiano Cesare Beccaria (1738-1793) foi o primeiro a se opor à tradição jurídica e à legislação penal de seu tempo, quando havia julgamentos secretos e a tortura era aceita como forma de se obter prova do crime. Ele foi um dos defensores do princípio de que todos são iguais perante a lei e da proporcionalidade, um dos princípios fundamentais do Direito Penal, que prevê a sanção penal é proporcional à culpabilidade da pessoa e a gravidade do crime.
Veja se Lula - ao dar uma de advogado de defesa de Sarney - não assinaria embaixo o que escreveu Beccaria sobre as finalidades da pena:
"Da simples consideração das verdades, até aqui expostas, fica evidente que o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o delito já cometido. É concebível que um corpo político que, bem longe de agir por paixões, é o tranquilo moderador das paixões particulares, possa albergar essa inútil crueldade, instrumento do furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam talvez os gritos de um infeliz trazer de volta, do tempo, que não retorna, as ações já consumadas? O fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo.
É pois, necessário selecionar quais penas e quais os modos de aplicá-las, de tal modo que, conservadas as proporções, causem impressão mais eficaz e mais duradoura no espírito dos homens, e a menos tormentosa no corpo do réu".
E mais: "Cada delito, embora privado, ofende a sociedade, mas nem todo delito procura a destruição imediata dessa mesma sociedade".
Pois eu gosto de Beccaria em outro texto: "A verdadeira medida do delito é o dano à sociedade".
Delitos praticados por políticos causam tanto dano à sociedade quanto aqueles praticados por criminosos armados. Alguns saques ao dinheiro público são tão fatais quanto alguns tiroteios em favelas. É fácil contar os mortos após uma escaramuça, mas praticamente impossível saber quantas crianças acabarão morrendo de inanição porque algum político desviou o dinheiro da merenda escolar.
Apesar de escorregar na ética, Lula pode até ter razão de que cada crime deve ter uma pena proporcional à gravidade do delito. Mas, poxa, ninguém está pedindo a pena de morte para Sarney. Espera-se apenas que ele se afaste do cargo até que tudo seja devidamente apurado. A sociedade está cansada de ver poderosos escaparem de punição no país porque não confessam seus delitos ou ninguém consegue investigá-los com eficiência. Quanto mais poder, maior deveria ser a responsabilidade.
Em vez de fora, eu diria, "Sarney, dá um tempo".

Um comentário:

Giovani Miguez, filosofante disse...

O poder subiu à cabeça presidencial, tal qual a caipirinha nossa de todos os dias. Como li ainda hoje um presidente poder não ter diploma, mas daí a ser analfabeto ético vai um distância...