10.19.2009

Olimpíadas: o Brilho e a Ferrugem

Flavio Ferreira
O que está em jogo no momento, a localização dos equipamentos olímpicos, é a própria estrutura da cidade e do seu futuro. Este jogo é muito mais importante para a nossa cidade do que os jogos olímpicos em si. Para ganharmos o “ouro”, teremos que aprender com os sucessos e fracassos das cidades que já abrigaram Olimpíadas.
O sucesso se deu quando a localização dos equipamentos olímpicos ajudou a estruturar e revitalizar a cidade e o seu sistema de transporte público, e os equipamentos continuaram a ser utilizados. Tudo isso justificou os imensos recursos investidos, beneficiando concretamente a maioria dos seus cidadãos.
Um exemplo de sucesso é Barcelona. Havia terrenos baratos, abundantes, mas longínquos. Entretanto o Comitê Olímpico e a Cidade entenderam que localizar os equipamentos perto do centro, no seu antigo porto, era fundamental. Foram necessárias caríssimas desapropriações. Os projetos foram feitos com qualidade, os grandes selecionados em concursos públicos, dos quais só podiam participar arquitetos
A Barcelona que hoje se conhece, exuberante, criativa e próspera é em grande parte resultado do acerto da localização e da qualidade dos seus equipamentos olímpicos. Até hoje um dos locais mais freqüentados da cidade é onde foi o antigo porto.
Um exemplo de fracasso é Sidney. Escolheram grandes e belos terrenos, porém distantes do centro da cidade. Passadas as Olimpíadas, viu-se que estes equipamentos não contribuíam em nada para a estrutura da cidade e o bem da maioria dos seus cidadãos. Está lá aquela gigantesca lataria vazia, enferrujando na chuva e no sol. Dá dó!
O Rio de Janeiro se defronta com essa grave decisão: ou se baseia no precedente bem sucedido de Barcelona e enfrenta o épico desafio de se fazer um ótimo projeto no Porto, no Gasômetro, e ao lado da Estação da Leopoldina, isto é, no centro da cidade; ou sucumbe, copiando Sidney, construindo a maior parte dos equipamentos na Barra.
Não é difícil a solução no Porto. A Vila Olímpica requer cerca de 50 hectares e todos os outros equipamentos cerca de 20 hectares. O Porto, o Gasômetro e a Leopoldina somam mais do que 300 hectares.
Para os que chegarem ao Rio para as Olimpíadas, vindo de todo o Brasil e do exterior, é também muito importante que os jogos aconteçam principalmente no Porto. Para os de fora o Rio é o Cristo, que se vê do Porto, o Pão de Açúcar, todo o monumental conjunto de montanhas, as ruas cheias de gente, a música.
A Barra tem alguma coisa assim?
Quando o Instituto dos Arquitetos do Brasil organizou um congresso nacional na Barra, os arquitetos de fora não gostaram. Um gaúcho ironizou: “Eu vim porque pensei que o congresso era no Rio, não no pampa”.
Ao se transferir as Olimpíadas para o Porto resolve-se também outro grave problema. O atual plano da Prefeitura, denominado “Porto-Maravilha”, legisla para a área taxas de ocupação de terreno gigantescas, permitindo-se edifícios de até cinqüenta andares. A Prefeitura alega que, como não tem dinheiro, a renovação do Porto tem que ser autofinanciável. Resolve então este problema vendendo-se em hasta pública os terrenos, super valorizados pela permissão de se construir esta grande e alta massa de edifícios.
Teríamos uma solução financeiramente viável, mas um péssimo resultado urbanístico, com grandes prejuízos para a integridade paisagística da cidade. Por exemplo, quando viemos do interior, da Zona Norte e do Galeão nos sentimos no coração do Rio quando estando no elevado, entre a Rodoviária e o Gasômetro, contemplamos a bela cordilheira da qual o Corcovado é o elemento mais importante. Com o projeto “Porto-maravilha” esta maravilhosa experiência visual estaria perdida para sempre. Tanto no terreno do Gasômetro como no terreno da Rodoviária estão previstos massudos edifícios de cinqüenta andares!
Legislar muito denso e muito alto tem um outro grave inconveniente: atrasa a consolidação da área. Não há economia urbana suficiente para construir os edifícios grandes de pronto. Os terrenos ficarão desocupados por décadas e enquanto isso o Porto continuará vazio.
Com as Olimpíadas e seus recursos financeiros, surge a oportunidade de se refazer o plano, com ênfase na preservação da baixa altura. Com olhos contemporâneos muito do que esta lá construído poderá receber intervenções criativas, de pequena escala, aproveitando-se parte das edificações já existentes. Há precedentes no mundo todo, principalmente na renovação das áreas portuárias de intervenções deste tipo. O projeto pioneiro do Haymarket em Boston e do Porto Madeiro em Buenos Aires são bons exemplos deste tipo delicado e criativo de renovação.
 Aqui no Rioa transformação pioneira de armazéns do Porto para a sede da Xérox, dos anos setenta, o projeto de renovação do Museu do Telephone, no Flamengo, que mantém suas fachadas e revoluciona o seus interiores, e o Museu das Ruínas em Santa Tereza, elegante conjunção entre o antigo e o novo, são exemplos criativos do que se pode fazer, em grande e rápido, no Porto.
É fácil para o poder público induzir este tipo de intervenção: basta legislar volumes construídos semelhantes aos que lá estão e garantir que o alinhamento das fachadas seja mantido. Pode e deve haver exceções, como torres finas e altas aqui e acolá, mas de forma que não interfiram na bela paisagem.
Uma coisa não deve ser mudada no “Porto-Maravilha”: a venda dos imóveis em hasta pública e a conseqüente, e indispensável, participação da iniciativa privada.
Flavio Ferreira
Arquiteto, doutor em Urbanismo, professor do programa de Pós-Graduação em Urbanismo da FAU/UFRJ (PROURB) e ex-secretário de Urbanismo do Rio de Janeiro.

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