9.28.2009

Ambas com 81 anos, Jeanne Moreau e Agnès Varda falam no Rio de seus cinemas


Joias francesas

RIO - De um lado, a diva Jeanne Moreau, musa da geração que via na estrela de "Jules et Jim" (1962), de François Truffaut, a síntese sensual da liberdade. Do outro, a diretora Agnès Varda, para quem a estrutura dos filmes era uma forma narrativa tão importante quanto as histórias de obras como "Cléo das 5 às 7" (1961) e "As duas faces da felicidade" (1965). Ambas nascidas em 1928, a atriz francesa e a cineasta franco-belga são as primeiras convidadas internacionais a prestigiarem esta edição do Festival do Rio. Neste sábado, às 10h45m, Jeanne estará no Cine Odeon ao lado de Carlos Diegues, que a dirigiu em "Joanna Francesa" (1973), para compartilhar com o público experiências de seus 60 anos de carreira. Na segunda-feira, às 18h, ela fará um debate na Maison de France. Já Agnès veio ao Brasil para exibir a autobiografia documental "As praias de Agnès", que terá sessões amanhã, às 15h50m e às 20h10m, no Estação Vivo Gávea. Nas entrevistas a seguir, as duas, aos 81 anos, explicam ao GLOBO por que ainda acreditam na força do cinema.

Lá se vão 36 anos desde sua vinda ao Brasil para as filmagens de "Joanna Francesa" (1973), de Cacá Diegues.

JEANNE MOREAU: Pois é. Peço desculpas por ter perdido muitas palavras do português que aprendi naquela ocasião. Basicamente, o que sobrou foi "Bom-dia!", "obrigada", "madrugada". Estou vindo aqui agora depois de uma temporada intensa de trabalho. Passei o verão inteiro sem férias, preparando uma peça ("The war of the Sons of Light against the Sons of Darkness", com direção do cineasta israelense Amos Gitai), que reúne referência à civilização grega, ao Império Romano e a diferentes questões históricas. Mas quando a Ilda (Santiago, uma das diretoras do Festival do Rio) me procurou e comentou do trabalho de grupos de artistas ligados a favelas, como o Nós do Morro, achei que era importante vir e conhecê-los. Vou visitá-los neste fim de semana (a atriz vai conhecer o grupo no Vidigal, neste sábado, às 16h).

Que memórias ficaram de sua visita a um Brasil que se repensava culturalmente a partir das reflexões do Cinema Novo?

JEANNE: Há anos, eu venho descobrindo a força do cinema brasileiro nos grandes festivais de cinema, como Cannes, onde eu fiquei impressionada com "Cidade de Deus". Senti essa força ao ver os filmes brasileiros dos anos 1960 e 1970. O Cinema Novo foi um movimento que soube traduzir a condição política e social do país de vocês como se fosse um gesto revolucionário. E é isso o que me interessa ver: filmes que busquem operar uma transformação no ser humano. Foi em função dos filmes daquela época que eu aceitei filmar "Joanna Francesa" com Cacá Diegues. Ainda me lembro de muita coisa que vi quando cheguei aqui aquela vez.

Por exemplo?

JEANNE: Vim para o Brasil com meu amigo Pierre Cardin (estilista que desenhou figurinos da atriz em "Joanna Francesa"), e havia um café em Ipanema, que acredito não existir mais, onde bebi várias batidas. Conversei muito sobre cinema ali antes de partir para Alagoas, onde as filmagens aconteceram. Fiz um grande amigo nessa época, o maquiador Ronaldo de Abreu. Tempos depois, soube que Ronaldo estava maquiando Sophia Loren e Catherine Deneuve na Europa.
A memória filmada por praias e espelhos


"As praias..." tem uma proposta inovadora. Em alguns momentos é lúdico, noutros é emotivo, há instantes mais realistas. Essa composição foi planejada?

AGNÈS VARDA: Se você não faz parte da grande indústria, o que é o meu caso, é preciso ser original, gostar de estar à margem. Eu me sinto livre para fazer com que meus filmes encontrem as pessoas. E não estou falando de bilheteria. Estou falando de conexão com o espectador, de compartilhar emoções. Ao assistir a "As praias...", você sorri, chora, lamenta, sente afeto.

Seu aniversário de 80 anos teve a ver com a decisão de fazer uma obra autobiográfica?

AGNÈS: Sim, claro. O "zero" tem alguma coisa de diferente. Os dois números vinham se aproximando de mim, quase me batendo. Eram um "oito" e um "zero" chegando perto. Eu precisava fazer alguma coisa sobre isso (risos).

Por que as praias?

AGNÈS: Foi um jeito que encontrei para contar a história tendo o mar, que eu adoro, como fio condutor. O filme não é sobre mim, é sobre mim e os outros. Na primeira cena, eu viro espelhos ao contrário, para mostrar os outros: os amigos, a família, pessoas que conheci.

No filme, sua vida é contada a partir de sua obra. É sempre assim? A vida está sempre impressa em seu trabalho?

AGNÈS: Às vezes a vida vai se embrenhando por meus filmes. Mas isso não quer dizer que eu faça confidências sobre minha vida. São somente algumas histórias, como o nascimento da minha filha e minha relação de mais de 30 anos com Jacques Demy.

As cenas de "As praias..." com o Demy são bastante tocantes. Foi difícil para a senhora ter aquelas lembranças?

AGNÈS: Não, foi bom lembrar. O que foi duro foi perder o Jacques. Mas acho que nós dois ficamos juntos o máximo que pudemos, até o fim. Além disso, ele está vivo em filmes como "Os guarda-chuvas do amor". Nós amamos o cinema, algumas pessoas amam os filmes de Jacques. Ele está neste amor. Eu sinto falta dele, da sua companhia, mas ele não se foi. O cinema dele ainda está aqui.

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