7.30.2009

'À deriva', de Heitor Dhalia, estreia em meio à luta dos filmes autorais por espaço nas telas


Rodrigo Fonseca

RIO - Aplaudido no Festival de Cannes, "À deriva", de Heitor Dhalia, estreia nesta sexta-feira, em meio à alegria de produtores que comemoram os 10,5 milhões de espectadores contabilizados pelo cinema nacional entre 1 de janeiro e 30 de junho. Esse total de público corresponde a um crescimento de 167% em relação à venda de ingressos de 2008, limitada a 8.820.000 pagantes. Os números atuais podem até dar orgulho a todas as tribos de realizadores, mas, na prática, aplicam-se mais a blockbusters do que ao chamado "filme de arte", cuja ambição estética não se dobra a regras mercadológicas.

O próprio Dhalia dirigiu um longa que é um exemplo de surpresa no "filme de arte": "O cheiro do ralo", que, em 2007, chegou a 170 mil pagantes quando se esperavam apenas 20 mil - diz Pedro Butcher, editor do site Filme B, que analisa o mercado exibidor brasileiro. - O problema é que exemplares do chamado "filme de arte", nicho que antes fazia média de mil pagantes por cópia, hoje custam a alcançar essa marca.
Neste ano em que as comédias "Se eu fosse você 2", "Divã" e "A mulher invisível" exponenciaram a renda da cinematografia brasileira às cifras do milhão, o conceito de "filme de arte" passou a ser aplicado nos mais variados projetos. O rótulo é dado tanto às radicalíssimas experiências de cineastas como Julio Bressane - cujo longa-metragem mais recente, "A erva do rato", patina há quase um mês à cata de telas - quanto a obras pautadas pela delicadeza como o drama de locações litorâneas dirigido por Dhalia. Só que enquanto o primeiro, rodado por um veterano do cinema marginal, vai viajar o Brasil com uma única cópia, o longa do diretor de "O cheiro do ralo" chega com 40 cópias, ou seja, com energia para brigar.
" Será que os filmes não têm público ou é a gente que não chega a esse público? "
- Truffaut acreditava que a maturidade de um diretor vem quando ele consegue falar o que quer e ainda assim fazer sentido para uma grande audiência. O que eu estou buscando é fazer cinema de qualidade artística, mas acessível. Não sou contra um cinema mais radical, árido. Até por que um filme acha seu público tenha ele o tamanho que tiver - diz Dhalia, que exibirá "À deriva" no dia 3 no 19 Cine Ceará, em disputa pelo troféu Mucuripe.
Depois de "Nina" (2004) e "O cheiro do ralo" (2006), o cineasta pernambucano de 39 anos narra em "À deriva" as turbulências que cercam a adolescência de Filipa (Laura Neiva), jovem que acompanha a separação de seus pais: Clarice (Débora Bloch) e Matias (o astro francês Vincent Cassel, de "O ódio").
- Eu nunca vou saber onde "O cheiro do ralo" seria capaz de chegar se saísse com cem cópias e não com 20. E se "À deriva", que está circulando pelo mundo e já foi vendido para, no mínimo, 15 países, viesse com 80 cópias, e não 40? - questiona Dhalia, que concorreu com o drama de Filipa na mostra Un Certain Regard de Cannes.
No início da Retomada, filmes que hoje seriam tratados como iguarias para poucos, como "Central do Brasil" ou "Carlota Joaquina", foram além da fronteira do milhão. Este ano, dos filmes na linhagem de "À deriva", o mais bem-sucedido foi "Budapeste", de Walter Carvalho, com 85 mil pagantes.
- "Em meu lugar", de Eduardo Valente, que estreia em outubro também entra nessa categoria - diz Pedro Butcher, da Filme B. - E há "Tempos de paz", de Daniel Filho, que por ser um filme de época, baseado em uma peça, limita o público.

Diretor do maior sucesso da Retomada, "Se eu fosse você 2", Daniel Filho entra em circuito em 14 de agosto com a adaptação de "Novas diretrizes em tempos de paz", do dramaturgo Bosco Brasil, questionando a noção de filme de arte:
- A classificação como arte é pretensiosa. Por que não tem pintura de arte, teatro de arte, música de arte, balé de arte etc?
E o que dizer do cinema de Bressane, grife de autoralidade há quatro décadas?
- "A erva do rato" não tem distribuição no Brasil, mas estamos em cartaz na França há seis semanas - diz Marcello Maia, produtor do longa de Bressane. - Será que os filmes não têm público ou é a gente que não chega a esse público?

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