5.27.2009

Nós, os motoristas que bebem

Martha Medeiros

Eu adoro um bom vinho e,quando a ocasião convida,tomo champanhe com minhas amigas.Nem sempre em minha casa:às vezes na casa delas,às vezes em restaurantes.Um cálice,dois?Sim,mas se a animação for longa,pode se mais.E costumo me deslocar no meu carro,ou seja,volto para casa dirigindo.Nunca provoquei um acidente,jamais dirigi na contramão ou fiz alguma insanidade nas ruas.Do que se conclui que meu anjo da guarda está merecendo um aumento de salário.

Somos peritos em julgar mazelas sociais,em apontar o dedo para os que são desonestos,corruptos,grosseiros,sem poupar,claro,os irresponsáveis no trânsito.Lamentamos publicamente as 35 mil mortes anuais,geralmente de jovens.Só no feriado de Corpus Christi morreram 86 nas estradas e avenidas brasileiras,e os jornalistas se perguntam em seus editoriais,crônicas e reportagens:como solucionar?Com punição e consciência ,sabemos.O Congresso aprovou a lei (ainda não sancionada) que torna todo acidente causado por motorista alcoolizado um crime doloso,com intenção de matar.A sociedade aplaude,mas quem é a sociedade?Não é uma entidade abstrata.Não é aquele pessoal que mora no edifício da esquina.É você,sou eu,criaturas civilizadas e de bom caráter,que se reúnem em torno de uma mesa para celebrar a vida tomando alguns drinques e comendo uns tira-gostos,e que voltam pra casa ligeiramente mais alegres do que saíram,sem absolutamente nenhuma intenção de mata __ tanto que nunca matamos.

Não somos doidos.Somos pais de famílias e temos certo controle sobre nossas ações.Mas certo controle não é controle absoluto.A verdade é que muita gente bebe e dirige,quando deveria beber e pegar um táxi, ou beber e pegar uma carona, ou beber e voltar a pé, ou simplesmente não beber,se não lhe faz falta.A mim na hora do jantar faz falta.Não consigo me imaginar comendo uma bela refeição acompanhada de refrigerante ou água.Então se opto por um vinho quando estou fora de casa, tenho que igualmente optar por um táxi.Para mim ,será uma mudança de hábito e tanto.E estou me usando como exemplo justamente para não perpetuar a hipocrisia de levantarmos a voz contra os problemas , esquecendo de fazer nossa parte para combatê-los.

Poderia estar citando como praxe, os moleques que entornam um engradado de cerveja e depois voam a 120 km / h em vias urbanas só para se sentirem machos em seus possantes carros,essa coisa estúpida que a gente vê acontecer a toda hora.Mas não: desta vez estou virando o gatilho das palavras para mesma que tenho idade mais madura, uma consciência mais que formada, uma auto-estima bem resolvida,e que mesmo não tendo necessidades exibicionistas, mesmo desprezando exageros etílicos e respeitando meus limites,ainda assim já poderia ter provocado algum risco desnecessário num fim de festa.Bastaria uma única vez e babaus.

Então que essa crônica sirva de auto ajuda-ajuda e ajuda mútua:vamos parar de só julgar aquela turma chamada “eles”, aqueles lá fora que aparentemente fazem tudo errado, e passemos a olhar para “nós” , que somos ótimas pessoas e que nos sentimos abençoados pelo destino pela simples razão de termos as melhores intenções do mundo.

Bebeu,a intenção mudou.Acabou a inocência, acabou o “não tive culpa”.Eu não vivo sem um bom vinho, mas vou aprender a viver sem carro quando for preciso.Caso contrário, que credibilidade é essa que a gente se outorga?

Nenhum comentário: