Antônio Carlos Miguel
RIO - "Ô sorte!" O bordão criado por Wilson das Neves nunca foi tão apropriado. Aos 74 anos, o baterista que, já sexagenário, virou compositor e cantor, e, recentemente, também ator, tem muito o que comemorar. Na semana que vem, chega às lojas, pela MP,B/Universal, seu terceiro disco solo, "Pra gente fazer mais um samba" (com show de lançamento dia 14 de julho, no Estrela da Lapa); na Inglaterra, a gravadora Far Out acaba de editar "Que beleza", mais um CD dos Ipanemas, grupo do qual foi um dos fundadores e fez apenas um LP, em 1964, renascendo 35 anos depois graças à paixão de um produtor britânico; um documentário sobre sua vida, "O samba é meu dom", está sendo dirigido pelo mineiro Cristiano Abud; enquanto nos shows da Orquestra Imperial, Seu Wilson, como é tratado por seus jovens colegas de palco, é reverenciado como um popstar.
Sim, algumas doses de sorte, outras de aprendizado e trabalho, como conta, enquanto saboreia mais um chope e reclama da proibição ao fumo, na varanda de um bar na Cinelândia:
- Por volta dos 6 anos, nas festas na casa de minha tia, na Praça Tiradentes, eu já ficava de olho no baterista, Suruba, que até hoje não sei por que tinha esse nome. Depois, minha mãe me levava pro candomblé, e lá eu também me ligava nos atabaques. A música é algo divino, e foi ela que me escolheu, a música se engraçou comigo - relembra ele, que, agora, já percebe no primeiro bisneto, João, de 1 ano e 6 meses, a mesma tendência.
Pode ser um dom divino, mas Das Neves aproveitou as oportunidades. Aos 14 anos, incentivado por outro baterista, Bituca (Edgar Nunes Rocca), pegou as manhas do instrumento e encontrou seu estilo, que logo foi notado. Hoje, contabiliza gravações para mais de 600 artistas ("Tenho tudo anotado em casa"). De Tom Jobim, a partir da trilha de "Orfeu da Conceição", em 1956 - "Eu tocava no Dancing Brasil e, num dos intervalos, fui chamado para passar no estúdio da Odeon, ali perto", relembra -, a Chico Buarque, de quem é baterista fiel há quase três décadas. De Elza Soares, com quem dividiu um LP, em 1968 - "Viajávamos apenas os dois para shows na Argentina. Em Buenos Aires, ela tinha um bom violonista, que, mesmo argentino, tocava samba" -, ao "filho de John Lennon".
" Quem bate é Mike Tyson, Maguila... A bateria é um instrumento como outro qualquer, e o importante é a nuance. Ela tem que ser tratada com carinho "
- Quando esteve no Brasil, ele queria alguém com uma batida antiga. Perguntei se estava me chamando de velho, mas, claro, fomos, Sean, Daniel Jobim e eu, pro estúdio. Fizemos apenas uma música, que, acho, nunca foi lançada - conta Das Neves, que, como ensina num trecho do documentário "O samba é meu dom" já no YouTube, um dos segredos de sua batida é exatamente "não bater na bateria". - Quem bate é Mike Tyson, Maguila... A bateria é um instrumento como outro qualquer, e o importante é a nuance. Ela tem que ser tratada com carinho. Mais do que ouvir, tem que sentir o ritmo.
Inúmeros instrumentistas e cantores sentiram isso. Num texto para o novo CD, Chico Buarque, geminiano como ele, conta: "Conhecia Wilson das Neves dos discos, reconhecia de cara sua batida, vez por outra o peruava através do vidro de estúdios de gravação. Hoje não subo ao palco sem ele."
Do outro lado do Atlântico, o DJ e produtor inglês Joe Davis, dono da gravadora Far Out, também foi capturado pelo estilo de Das Neves. Colecionador de música brasileira, Davis percebeu que aquela batida diferente que o cativara em discos diversos tinha um mesmo nome nos créditos.
- Em meados dos anos 90, durante a gravação de um disco do Azymuth, comentei com Ivan Conti (o baterista do trio de jazz-funk-samba carioca) de minha paixão por Wilson e de como adoraria encontrá-lo e desenvolver um projeto de percussão afro - conta Davis, que, primeiro, produziu os discos do Grupo Batuque e, em seguida, sugeriu recriar os Ipanemas. - Ivan e Wilson fizeram contato com Neco (violonista da primeira formação, que morreu em 2009), e, em 1999, lançamos "The return of The Ipanemas", completando o grupo com músicos jovens.
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