Com 62 anos de estrada, grupo Os Cariocas lança disco à altura de sua história
João Pimentel
Grupo mais antigo em atividade no Brasil, Os Cariocas, que completam 62 anos de estrada em 2010, há muitos anos não lançam um trabalho à altura de sua primorosa história. E a capa do mais novo CD, "Nossa alma canta" (Guanabara Records), parece antever mais um disco de regravações sem brilho, ou uma aposta em novidades que não condizem com a qualidade do quarteto vocal formado pelo pianista e arranjador Severino Filho, o único remanescente da formação original, pelo violonista Eloi Vicente, pelo baterista Hernane Castro e pelo baixista Neil Teixeira. A acrílica sobre tela de Newton Mesquita, sabe-se lá se pela má impressão, parece uma xerox colorida de segunda. Mas, se a apresentação deixa a desejar, o disco é precioso em sua totalidade. Ou seja, um repertório exemplar, arranjos primorosos, afinação perfeita, muitos dos melhores instrumentistas brasileiros e participações pontuais de Milton Nascimento, João Donato e Marcos Valle, em faixas de suas autorias.
"Rio que corre", parceria de João Donato, Lysias Ênio e a compositora bissexta Beth Carvalho, abre os trabalhos de forma primorosa: "Rio que corre o ano inteiro/ Em fevereiro, balanço geral/ Lá vem Portela, Mangueira/ Lá vem a porta-bandeira/ O povo que canta e levanta a vida no carnaval." O arranjo de Severino ganha cores nos sopros de Léo Gandelman, Mauro Senise, Marcelo Martins, Vittor Santos e suingue no piano do próprio Donato.
Em "Quero você", de Newton Mendonça, uma formação mais econômica dá um brilho especial para a música. Por sinal, a simplicidade e a economia permeiam o disco, em contraponto com o número de estrelas. E estas se adequam ao trabalho, jogando sempre para o quarteto.
É o caso de Milton Nascimento, que faz as vezes de um quinto integrante do grupo em "Clube da esquina 2", com o ótimo Kiko Continentino ao piano. Ou de Badeco, um dos fundadores do grupo, que empresta voz ao "Samba do Carioca", de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes. Outra participação muito especial é de Hortênsia, irmã de Severino, na clássica "Você ", de Menescal e Bôscoli. Especial porque no fim dos anos 1950 ela substituiu provisoriamente o outro irmão e cabeça dos Cariocas, Ismael Netto, morto precocemente. É bom lembrar que o grupo começou como um quinteto.
O disco tem como mérito um repertório de canções não gravadas pelo grupo, mas que parecem ter sido feitas para a sua formação de base instrumental e vocal. Assim é "Você vai ver", de Tom Jobim; ou "Baiãozinho", de Eumir Deodato, com este ao piano e Carlos Malta no pífano; ou mesmo "Jet samba", de Marcos Valle, que assume os teclados acompanhado do mestre das percussões Robertinho Silva. Como não relacionar "Estrada do sol", de Jobim e Dolores Duran, e "Rapaz de bem", de Johnny Alf, aos Cariocas?
A única canção que foge a este conceito, "Futuros amantes", de Chico Buarque, vem pontuar não apenas o sopro de modernidade dos arranjos, mas a capacidade do grupo de se reinventar e servir de farol para quem pretende se atrever a herdar a bandeira do canto vocal brasileiro.
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