2.15.2010

Livro historia harmonias e dissonâncias do Rio

Resenha de Livro
Título: Canções do
Rio A Cidade em
Letra e Música
Autor: Marcelo
Moutinho
(Organização)
Editora: Casa da
Palavra
Cotação: * * * 1/2

"Cidade maravilha / Purgatório da beleza e do caos", na definição do refrão lapidar de Rio 40 Graus (Fernanda Abreu, Fausto Fawcett e Laufer), o Rio de Janeiro vem sendo (de)cantado em versos - com maior ou menor dose de lirismo - pelos compositores cariocas desde a formatação de uma música brasileira urbana, nas primeiras duas décadas do século 20. Recém-editado pela Casa da Palavra, com organização de Marcelo Moutinho, o livro Canções do Rio - A Cidade em Letra e Música historia a abordagem da metrópole - ainda a capital cultural do Brasil - sob a ótica de compositores de vários estilos musicais. Ensaios assinados por seis nomes ligados à música - em geral, jornalistas especializados - expõem harmonias e dissonâncias cariocas retratadas em músicas. No texto inicial Dos Primórdios à Era de Ouro, João Máximo enfatiza a visão mais romantizada e idealizada com que bairros como a Lapa e a mítica Mangueira eram cantados na primeira metade do século 20. E, no tópico mais surpreendente do texto, ressalta que o bairro mais cantado por Noel Rosa (1910 - 1937), o Poeta da Vila, não foi sua Vila Isabel, mas, sim, a Penha, citada inclusive no antológico samba Feitio de Oração, composto com Vadico. Na sequência, Sérgio Cabral escreve sobre as marchinhas, gênero carnavalesco que pôs o bloco na rua, com ironia e visão mais crítica, para abordar problemas como a falta d'água e a superlotação dos trens. Por sua vez, o compositor Nei Lopes expõe superficialmente as visões do Rio sob a ótica dos sambistas, se permitindo incluir seu nome entre os autores citados (com todo o direito, diga-se, pois Nei já retratou a cidade, em especial o subúrbio, com muita propriedade em vários de seus sambas). O mérito do texto do compositor é oferecer um panorama mais atual do assunto, mostrando que a cidade - já partida pela violência que escapa dos morros para o asfalto - é alvo tanto de visões mais desiludidas (Nomes de Favela, samba de Paulo César Pinheiro, lançado pelo autor em 2003 - e não em 2004 como escreve Nei Lopes) como de abordagens ainda romantizadas de bairros como Madureira (O Meu Lugar, Arlindo Cruz e Mauro Diniz, 2008). Em seguida, Ruy Castro gasta linhas sobre os vários possíveis pontos de partida da Bossa Nova antes de entrar propriamente no assunto do livro: o Rio que, no caso da bossa, sempre foi o Rio ensolarado de céu e mar, cantado com leveza e tom coloquial (até a turma dissidente enveredar, já na década de 60, por abordagens mais sociais da cidade). E, se o Rio foi ficando cada vez mais sem harmonia por conta da escalada da violência provocada pela injustiça social, houve compositores que abordaram tais dissonâncias com maestria - como relata Hugo Sukman num dos melhores textos do livro. Chico Buarque foi um deles, recorrendo ao lirismo em Estação Derradeira (1987) para cantar as leis e códigos informais que regem os morros. Assunto - a bem da verdade, como lembra Sukman - já tratado de forma mais direta e pioneira pela dupla João Bosco e Aldir Blanc em Tiro de Misericórdia, samba que deu título ao álbum lançado por João Bosco em 1977. Por fim, Silvio Essinger relata - em texto saboroso e cronológico - a visão do Rio na ótica de roqueiros, rappers e funkeiros, mostrando que a descontração carioca dos chopes pedidos pela Blitz foi cedendo lugar à realidade nua e crua cantada por grupos como o Rappa. Sob qualquer ótica, contudo, o Rio de Janeiro às vezes parece continuar lindo para os poetas musicais, pois, como já sentenciou Tim Maia (1942 - 1998), "Do Leme ao Pontal Não Há Nada Igual"...

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