Resenha de CD
Título: Ataulfo Alves - 100 Anos
Artista: Vários
Gravadora: Lua Music
Cotação: * * 1/2 (CD 1) e * * * * (CD 2)
Fala-se pouco de Ataulfo Alves (1909 - 1969). Ouve-se menos ainda a obra do compositor. Daí que o CD duplo editado pela Lua Music em tributo ao centenário de nascimento do artista é título de valor porque joga luz sobre um repertório que - com exceção dos clássicos - já caía em completo esquecimento. Ataulfo Alves - 100 Anos reúne regravações de 34 músicas do compositor em dois volumes vendidos separadamente ou em embalagem dupla. O CD 1 agrega nomes da velha guarda da MPB. O CD 2, superior, enfileira artistas da cena indie e - talvez por isso - aborde a obra de Ataulfo Alves com mais frescor. E com doses salutares de ousadia.No CD 1, Elza Soares pulsa contemporânea Na Cadência do Samba (1962) enquanto Elba Ramalho cai até bem no suingue de Mulata Assanhada (1956) sem a habitual pegada nordestina de seu trabalho. Já Virgínia Rosa apresenta a capella a introdução obscura de Você Passa, Eu Acho Graça (1968). Se Ângela RoRo cai no samba em Fim de Comédia (1951), Fafá de Belém ambienta Errei Sim (1950) na atmosfera do samba-canção. Por sua vez, o fraseado límpido de Ná Ozzetti apara os excessos de sentimentos nostálgicos de Meus Tempos de Criança (1963) enquanto o samba chama Zezé Motta para defender Cabe na Palma da Mão (1967). Já Alaíde Costa remói Infidelidade (1947) no tom camerístico do piano de André Mehmari. A boa surpresa é Amelinha, a cantora cearense de sucessos como Frevo Mulher. Ela entoa com ternura a canção À Você (1936). Infelizmente, o produtor Thiago Marques Luiz foi bem pouco rigoroso na escalação do elenco do CD 1, completando o time com intérpretes (Adeílton Alves, Edith Veiga e Luiz Ayrão, entre outros) que nada acrescentam às músicas que revivem. Ataulfo merece regravações como a feita pelo Língua de Trapo, grupo que trata Desaforo Eu Não Carrego (1961) com graciosa irreverência. É um fecho de ouro para o irregular disco 1!
É no CD 2 que a obra de Ataulfo é abordada com criatividade e sem mofo. O tratamento instrumental dado pela Banda Dona Zica a Errei Erramos (1938) - samba solado por Luiz Melodia - já vale o disco. Já a guitarra de Rovilson Pascoal revitaliza Ai, que Saudade da Amélia (1941), a obra-prima, confiada a Márcia Castro. Anelis Assumpção mostra em Bom Crioulo (1959) que é cantora apta a ganhar projeção nacional. Já Verônica Ferriani acende Pavio da Verdade (1949) com exata compreensão da amargura dos versos do compositor. É interpretação condizente com o culto que já se insinua em torno da cantora. No mesmo alto nivel situa-se o canto de Mateus Sartori em Meu Lamento (1955), faixa adornada pelo violão de Alessandro Penezzi. Sartori consegue se equiparar a um cantor craque, Marcos Sacramento, intérprete de Meu Pranto Ninguém Vê (1938) ao lado do grupo de choro Ó do Borogodó. Por sua vez, o Quinteto em Branco e Preto aborda com propriedade Na Ginga do Samba (1964) - um sambão que nada fica a dever aos clássicos de Ataulfo - enquanto Edu Krieger se exercita como cantor em Faz Como Eu (1943) e Rômulo Fróes refina Sei que É Covardia (1938) no tom cool de sua obra fonográfica. Detalhe: o Quinteto em Branco e Preto também fornece a base para o dueto de Beth Carvalho com sua filha, Luana, em Leva meu Samba (1940), faixa que abre o CD 2 mais pela presença luxuosa de Beth. Já Silvia Machete mostra em Lírios do Campo (1950) que é cantora capaz de prender o ouvinte sem a mise-en-scène do palco. Inspirado em ideia executada pelo diretor Túlio Feliciano no show Leva meu Samba (1984), que reuniu Elizeth Cardoso (1920 - 1990) e Ataulfo Alves Jr. em torno da obra do compositor, o arranjo de Lírios do Campo traz a música para o universo do fado, evocado pela guitarra portuguesa de Mário Rui. Por fim, há as abordagens moderninhas de Oh seu Oscar (1939) e O que É que Há? (1962) feitas, respectivamente, por Wado & Graziela Medori e por Cérebro Eletrônico (com adesão de Maria Alcina). Enfim, o CD 2 dá outros olhares à música de Ataulfo Alves e transcende o valor documental de tributos do gênero porque soa de fato interessante.
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