Mauro Ferreira
A aura mitológica que cerca a vida e a obra de Raul Seixas (1945 - 1989) tem impedido uma revisão mais justa e imparcial de sua discografia - a rigor, irregular. É certo que o Maluco Beleza já tem lugar vitalício e merecido na galeria dos artistas mais originais, criativos e pioneiros do Brasil. E o fato de estar se falando de Raul e cantando Raul tanto tempo após sua morte - que completa 20 anos nesta sexta-feira, 21 de agosto de 2009 - apenas reforça o talento do artista. Contudo, é fato também que quase ninguém escuta e analisa a discografia de Raulzito com o devido senso crítico. A rigor, todo o mito alimentado em torno de Raul se origina da força de seus cinco primeiros discos individuais. Krig-Ha-Bandolo! (1973) e Novo Aeon (1975) são obras-primas. Gita (1974) roça a genialidade deles. Já Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás (1976) e O Dia em que a Terra Parou (1977), embora sejam bons discos, já começam a sinalizar a crise de criatividade que diluiria a força da obra de Raul a partir do álbum Mata Virgem (1978). A devoção do artista às drogas e ao álcool fez com que o roqueiro virasse um clone de si mesmo ao longo dos anos 80. Houve um ou outro lampejo de criatividade, perceptível em especial no álbum Metrô Linha 743 (1984), mas já era difícil identificar no Raul dos anos 80 aquele roqueiro antenado dos 70, mestre em alinhar afinidades entre Luiz Gonzaga (1912 - 1989) e Elvis Presley (1935 - 1977). Raul fazia rock com identidade brasileira e tinha a capacidade de se fazer entender pelo chamado grande público - qualidade que faltou à obra também pioneira do grupo Os Mutantes, o primeiro a fazer rock no Brasil sem copiar o modelo estrangeiro. O autor de Ouro de Tolo se fez notar também pelo tom corrosivo e debochado que conseguiu imprimir em sua música em plena era da censura ditatorial. Na citada Ouro de Tolo, destaque de seu primeiro álbum solo, o artista mostrou logo de cara o quão falso podia ser o milagre brasileiro. Raul Seixas foi a mosca que pousou na sopa da classe média conformista. Pena que, com o tempo, sua obra foi ficando quase tão rala como essa sopa. Ainda assim, Raul Seixas merece todos os aplausos possíveis, vinte anos depois de sua saída de cena, pelo vigor dessa obra inicial e imortal que vem sustentando o mito ao longo desses anos.
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