8.10.2009

Aos 72 anos, com marido (e empresário) de 26, Elza Soares prepara dois novos CDs e show


Antônio Carlos Miguel

A sala do apartamento de Elza Soares, na Avenida Atlântica, está coalhada de gente atarefada. Num sofá, o violonista e arranjador João de Aquino ensaia com o filho, Gabriel (de 19 anos, e que já segue os grandes passos do pai nas seis cordas), e o percussionista Felipe Santos ("Que é neto de Donga", comenta Aquino); em outro canto, o produtor Bruno Lucide, 26 anos, novo companheiro da cantora e seu empresário, está concentrado num laptop e, volta e meia, esclarece alguma dúvida que surge; o mesmo faz a assistente de produção Sabrina, também conectada à internet; enquanto isso, o maquiador de Elza entra e sai do corredor que leva às demais dependências. Após apresentar o repórter e o fotógrafo a todos, Geraldo Rocha, outro dos produtores de Elza, avisa que em breve ela estará pronta.
Minutos depois a diva aparece, num vestido de malha amarelo colado ao corpo cheio de curvas, maquiagem carregada, que ameniza os repuxados das plásticas. Mas, antes da conversa, pede para passar com os músicos "Camisa amarela", clássico de Ary Barroso que incluirá em seu novo show. Show particular terminado, pede licença para tomar uma injeção e retorna com um esparadrapo no ombro direito. "Está tudo bem", garante ao voltar. E logo ficamos sabendo que aquela que, em 2000, foi eleita pela BBC uma das 12 cantoras do milênio não quer saber do passado. Algo que tem provado no século XXI, ousando em CDs como "Do cóccix até o pescoço" (2002), "Vivo feliz" (2004), "Beba-me ao vivo" (2007).
- Detesto o passado, vivo eternamente o presente, sempre no presente - frisa ela, que, no presente, prepara-se para um show no Rio, dia 12, no Posto 8, no qual mostrará o repertório do disco de voz e violão "Arrepios", que gravou com João de Aquino e lançará até o fim do ano. - Fizemos há dez anos, mas tivemos problemas com o produtor e já nem me lembrava dele. Até Bruno, que conheci há um ano, em Belo Horizonte, onde trabalha como produtor de TV, descobrir o disco e cuidar de tudo para lançá-lo.

" Está tudo muito igual na música brasileira, cheio dessas cantoras certinhas, que não me interessam "

Valeu o empenho. A simbiose da voz rascante com o violão de sotaque afro é perfeita, num repertório que passa por "Drão" (Gil), "Como uma onda" (Lulu Santos e Nelson Motta), "Canário da terra" (João de Aquino e Aldir Blanc), "Juventude transviada" (Luiz Melodia) e "Devagar com a louça" (Luiz Reis e Haroldo Barbosa). Aquino, que, em 1980, produzira um clássico na discografia da cantora, "Elza negra, negra Elza", acertou de novo, contendo o scat singing, às vezes caricato, da cantora que jazzificou o samba como ninguém, de uma forma que impressionou até a Louis Armstrong.
Aos 72 anos, completados em junho, Elza tem muitos outros planos. Já gravou quatro faixas de outro projeto, um disco de standards jazzísticos, que remete a algumas de suas maiores paixões musicais:
- Nina Simone, Chet Baker, Billie, Louis Armstrong. Mas, ultimamente, devido aos jovens que me cercam, ouço Amy Winehouse, que adoro. Sim, estou ligada, pareço uma antena - se autodefine Elza, para em seguida voltar à neopunk inglesa. - Só lamento Amy estar tão detonada. Por isso digo: "Vocês devem copiar Elza". Eu me cuido, com boa alimentação, preparo físico. E acredito em Papai do Céu.
Vida e carreira revisadas em dois documentários
Nada mau para a carioca de Padre Miguel que saiu do Morro da Água Santa para ganhar um concurso de calouros de Ary Barroso, graças ao seu dom musical e ao raciocínio rápido. A história é velha, do passado, mas merece ser mais uma vez lembrada. Ao ver a menina magrela, perdida no grande vestido que pegara emprestado, Barroso perguntou: "De que planeta você veio?". "Do Planeta Fome!", respondeu ela, na lata, e depois provou cantando que chegara para ficar.
Cinco décadas após esse episódio, com muitos altos e baixos na vida e na carreira, hoje, a sobrevivente pode ser entendida como um Michael Jackson que deu certo. Ou seja, não foi engolida pela máquina do showbiz.
- Posso errar, mas não aceito que me imponham nada. Está tudo muito igual na música brasileira, cheio dessas cantoras certinhas, que não me interessam. Mas gosto muito daquela menina... Céu.
O disco de voz e violão, "Arrepios", que esperou tanto tempo, sairá no fim do ano, inaugurando o selo Pívetz, criado por Elza e seu novo companheiro. O de standards, para o qual já gravou "All the way", "Strange fruit" e "Summertime" com um time de primeira - incluindo Jessé Sadoc, Jorge Helder, Jurim Moreira, Itamar Assiere -, ficará para o ano que vem. Além dos CDs, dois documentários estão em produção: um dirigido pela carioca Isabel Jaguaribe e outro, misturando realidade e ficção, pela mineira Elizabete Martins, que há um ano segue os passos da cantora.
- Ela filmou muita coisa aqui no Rio, mas tenho passado muito tempo em Minas. E meu apartamento em Copacabana virou um consulado mineiro. Sou meio mineira, meus pais eram de lá, e agora esse moço me conquistou - diz, apontando para o jovem mineiro que a acompanha, sempre no presente

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