Ricardo Noblat
Se restar provado que um parlamentar mentiu para seus pares, ele poderá ser cassado por quebra de decoro. Foi assim em 2000 com o senador Luiz Estevão de Oliveira (PMDB-DF).
Cassaram-lhe o mandato porque mentiu - não porque desviou dinheiro público destinado à construção de um prédio em São Paulo. José Sarney (PMDB-AP) corre o mesmo risco.
O jornal O Estado de S. Paulo publicou na semana passada que a Petrobras concedeu um patrocínio cultural no valor de R$ 1,3 milhão à Fundação José Sarney, responsável pela guarda de documentos e objetos do período em que Sarney foi presidente da República (1985-1989).
O dinheiro serviria para a digitalização dos documentos e a informatização de todo o sistema de acesso ao acervo. Nada foi feito. E R$ 500 mil acabaram desviados para empresas fantasmas e outras da família Sarney.
Ao detalhar como gastou o dinheiro, a Fundação informou, por exemplo, ter pagado à empresa Souza Premieri R$ 12 mil por conta de um "curso de capacitação em história da arte” ministrado a 80 funcionários e estagiários do acervo museológico.
A Souza Premieri é uma empresa do ramo do comércio varejista de artigos de vestuário e acessórios. Seu dono, Adão de Jesus Souza, não sabe distinguir entre um Picasso e um Heitor dos Prazeres. A empresa funciona na casa dele onde não há vestígios do que produz.
Mas o que disse Sarney a respeito da denúncia do jornal?
Primeiro, por meio de nota assinada por seu assessor de imprensa, assegurou: “O senador José Sarney é presidente de honra da Fundação que leva seu nome, tendo sido seu fundador. Não participa de sua administração, nem tem responsabilidade sobre ela”.
Mais tarde, sentado na cadeira de presidente do Senado, Sarney encarou seus colegas reunidos em plenário e proclamou sem hesitar: “Eu não tenho nenhuma responsabilidade administrativa naquela Fundação”.
Engana que eu gosto!
Está escrito nos estatutos da Fundação que seu presidente vitalício é José Sarney. Quando ele morrer, a presidência caberá à sua mulher. E depois da morte dela, a cada um dos três filhos.
Na falta deles, assumirá um dos netos, em seguida outro, e assim sucessivamente. É um negócio familiar, portanto. E será familiar até o final dos tempos.
Presidente de honra é quase nada se comparado a presidente vitalício. Não tem “nenhuma responsabilidade administrativa naquela Fundação” é uma mentira grosseira.
Em sete páginas dos estatutos, o nome de Sarney é citado 12 vezes, segundo outra reportagem de O Estado de S. Paulo.
É dele, por exemplo, a tarefa de “assumir responsabilidades financeiras”. Sarney tem ainda “o poder de veto” sobre qualquer decisão tomada pelo Conselho Curador – que é presidido por quem? Ora, por ele.
O Conselho Curador é quem nomeia os três membros do Conselho Fiscal. Por fim, é função de Sarney “orientar” as atividades da fundação e representá-la em juízo.
Uma lei aprovada pela Assembléia Legislativa do Maranhão em 2005 devolveu ao Estado o prédio do século XVII doado por ele para a sede da Fundação – o Convento das Mercês.
Para derrubar a lei, Sarney forçou a direção do Senado, na época presidido por Renan Calheiros (PMDB-AL), a entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF).
Foi a única vez em 21 anos de vigência da atual Constituição que o Senado recorreu ao STF contra uma lei estadual. Deu certo.
Fique à vontade o Senado, pois: caso prefira, poderá fingir que nenhuma das atribuições de Sarney na Fundação caracteriza “responsabilidade administrativa”.
Será só mais um escândalo na história de quem passou a ser conhecida como a Casa dos Escândalos.
Lembra do pastor americano Jim Jones?
Em 1978, ele protagonizou o caso mais famoso de suicídio coletivo. No meio da selva da Guiana, cerca de 900 fanáticos morreram depois de tomar uma mistura de suco de laranja com cianureto.
Os senadores não precisarão beber nada
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