7.13.2009

As novas caras do samba

Roberta Sá

Por Ayrton Mugnaini Jr

Eu sei que, jornalisticamente, deveria evitar o "nariz de cera" - uma "enrolação" dizendo que o samba, tal como o rock e o jazz, às vezes parece que "morreu", mas sempre se renova nas mãos certas - e começar falando diretamente de Aline Calixto, Diogo Nogueira, Moyseis Marques, Fabiana Cozza, Mariene de Castro, Tereza Cristina, Roberta Sá e outros já ilustres representantes da nova geração de sambistas, sem modismos e modernices nem ranços e purismos. Mas permitam-me um "nariz de cera" não muito narigudo.
"O verdadeiro samba acabou?" Ouço essa pergunta há quase 52 anos e sei que essa pergunta já era comum antes disso. O samba sempre passou por muitos sumiços, alguns até de vários anos, das paradas de sucesso, sobrepujado pelo rock, sertanejo, axé, brega e até variações como samba-rock, sambanejo e pagode. Já no começo dos anos 1960 o grande cantor e violonista Nanai, ex-Anjos do Inferno, lançou um samba cujo título dizia tudo, "Acabaram Com o Samba". Mas basta uma olhada mais atenta para lembrarmos que, como canta Nelson Sargento (que, aliás, logo voltará à nossa conversa), o samba sempre "agoniza mas não morre/alguém sempre te socorre/antes do suspiro derradeiro".
Na segunda metade do século 20 estes salvadores do samba incluíram Paulinho da Viola, Martinho da Vila, os Originais do Samba, Beth Carvalho, Clara Nunes, Bezerra da Silva, João Nogueira, Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Carlinhos do Cavaco e o grupo Fundo de Quintal. E o século 21 também está bem servido de artistas fiéis ao samba, sem xenofobias nem ranços como purismo e respeito excessivo, e que, como os acima citados, sabem trabalhar com as melodias, harmonias e marcações do samba de forma a fazê-las soar sempre novas. Venham de Minas, Rio, São Paulo ou de onde for, estes novos sambistas seguem, conscientemente ou não, e sempre no melhor sentido, a frase de Adoniran Barbosa segundo a qual todo samba é igual, só mudam os versos, falem estes de malocas, morros, praias ou divindades do clã de Ogum.
Desta nova geração de sambistas falamos com uma amostra de dois já ilustres representantes: Diogo Nogueira e Aline Calixto. Ele nasceu e reside no Rio de Janeiro, ela é carioca de berço e mineira desde pequenininha. Ele tem a quem puxar (filho do saudoso João Nogueira) e ela inaugurou a ala musical da família. Ambos são também compositores, têm 28 anos de idade e estão lançando discos novos (respectivamente Tô Fazendo a Minha Parte, pela EMI, e Aline Calixto, pela Warner). Ambos são do samba, mas não se furtam a interpretar outros gêneros em ocasiões especiais. E ambos merecem ser ouvidos quando falam e cantam.

Aline Calixto

Aline tem a síndrome da amapaense Fernanda Takai: veio de fora de Minas para se tornar emérita cantora mineira demais da conta, uai. Assim, Aline tornou-se "conterrânea" de mestres do samba como Ary Barroso, Ataulfo Alves e Clara Nunes. "O público jovem está apto a apreciar o samba, o mercado está receptivo, e a internet facilita o acesso e divulgação", diz Aline, que dá o exemplo com sua própria página (clique aqui). Ela aponta outro ponto positivo: "As pessoas do samba são muito simples e humildes, e essa é a vantagem de trabalhar no samba." E Aline está disposta a gravar samba do melhor, seja de autores famosos ou desconhecidos, novos ou veteranos; neste primeiro disco ela canta com os venerandos Nelson Sargento, Monarco, Wilson Moreira e Walter Alfaiate (todos na faixa "Uma Só Voz", de Edu Krieger) e ajuda a divulgar compositores mineiros ainda pouco divulgados como Sansão ("Original") e Renegado ("Faz O Seguinte"). Detalhe: Renegado, além de sambista, também é rapper - e Aline diz que, embora sendo do samba, não é radical, sendo fã de Tim Maia, Roberto Carlos ("meu pai me cantava as músicas dele para eu dormir") e Maria Bethânia.
Após se revelar em movimentos de samba no Triângulo Mineiro e participar de um CD-coletânea com novos talentos, Aline foi a São Paulo e em 2008 participou da Mostra Mineira no SESC-Pompeia, chamando a atenção das gravadoras. Foi contratada pela Warner (a qual, vale lembrar, em seus mais de 30 anos de Brasil não lançou somente música pop, mas também sambistas de raiz como Paulinho da Viola e Dona Ivone Lara) e contou com o talento de Leandro Sapucahy, que havia trabalhado com Maria Rita, para tocar a produção do seu primeiro CD. E fez um bom trabalho, partindo de pré-produção da própria Aline, reunindo samba de raiz, samba de roda, ijexá e pagode tradicional. Nas primeiras audições (parei de contar após a vigésima), já posso destacar algumas candidatas a clássicas, como as citadas acima, "Enfeitiçado" (de Affonsinho), "Cara de Jiló" (de Aline com Juliano Buteco) e a primeira faixa de trabalho, "Tudo Que Sou" (de Toninho Geraes e Toninho Nascimento).
Diogo Nogueira também merece atenção, e já a mereceria só por ser um cantor em plena hegemonia do verdadeiro sexo forte nos últimos vinte anos. "Não me preocupo muito se são cantoras ou cantores", diz ele. "O importante é que essa nova geração tem feito um trabalho de muita qualidade. Tem muita gente boa chegando agora, como o Moyseis Marques, o Leandro Sapucahy, o Ciraninho, o Leandro Fregonesi, o Quinteto em Branco e Preto (de São Paulo), e todos são homens." O primeiro destaque de Tô Fazendo A Minha Parte é um presente de dois ilustres amigos: "Sou Eu", de Chico Buarque e Ivan Lins. "Adoro os dois compositores e foi um grande presente ter recebido um samba inédito dos dois, especialmente para eu gravar." O disco quase saiu sem ele, já começando a ser prensado, mas valeu a pena dar a ordem de "parem as máquinas" e incluir "Sou Eu".

Diogo Nogueira

Enquanto Aline Calixto gravou um samba do rapper Renegado e diz que gosta de Roberto Carlos, Diogo Nogueira cantou samba-rock com Marcelo D2 e Pitty, mostrando que não é radical. "Gosto de música de qualidade", diz. "Minha praia é o samba, mas não tenho preconceito com gênero algum. Se o projeto for bom, estou dentro!" E Diogo - que também tem seu espaço na Internet, (clique aqui.)- se empolga com cada vez mais jovens ouvindo e fazendo samba: "Em diferentes momentos da nossa história, a juventude mergulhou nas raízes da nossa cultura e acho que isso acontece agora, mais uma vez. Fico feliz por isso, em ver os jovens buscando a brasilidade, as raízes, e o samba é uma das nossas mais genuínas expressões musicais."
Alguns dos novos sambistas recomendados por Diogo são Mariene de Castro ("uma baiana arretada"), Mariana Aydar, Leandro Sapuchay e o Quinteto em Branco e Preto. Aline, por sua vez, recomenda Edu Krieger, Tereza Cristina e o grupo mineiro Pura Harmonia. E ambos citam Moyseis Marques.
Enfim, além de Nelson Sargento, esta turma faz lembrar o famoso samba de Paulinho da Viola: "Há muito tempo eu escuto esse papo furado/dizendo que o samba acabou/Só se foi quando o dia clareou". Garanto que reportagens e estudos futuros sobre o samba - e nem tão futuros assim - incluirão citações de sambas desta nova turma. "Nada de ser mais ou menos/eu sou sempre tudo que sou", "e lá vou eu pro caldeirão", "tô fazendo a minha parte/um dia eu chego lá", "quem sabe dela sou eeeeeeeeeeeeeeeeeeeu...".

Um comentário:

Anônimo disse...

Thats some great information there, very informative thanks.