5.08.2009

'Cyrano de Bergerac', de Ferreira Gullar, estreia na Laura Alvim


Alessandra Duarte

RIO - Uma das melhores traduções que o poeta Ferreira Gullar já fez - segundo ele mesmo - está em cartaz no Rio. É a primeira vez que a montagem do clássico de Edmond Rostand com a premiada tradução de Gullar é apresentada em palco carioca. Com direção de Renato Carreira, o espetáculo tem Oddone Monteiro vivendo Cyrano; Márcia Méll, Roxane; e Rodrigo Phavanello, Cristiano; além de mais 12 atores.
A obra com tradução de Gullar (que ganhou um Molière por ela na primeira vez em que o prêmio foi dado na categoria Tradutor) teve só uma montagem até hoje, em 1985, dirigida por Flávio Rangel e protagonizada por Antonio Fagundes. Foi apresentada em São Paulo, mas não chegou ao Rio.
- É evidente que aquele espetáculo deu certo por causa do diretor e dos atores - lembra um modesto Gullar, acrescentando que a tradução foi uma encomenda do amigo Rangel.
Segundo o escritor, sua tradução para a história do poeta e espadachim Cyrano e de seu desproporcional nariz (motivo pelo qual ele escolhe um outro homem, mais bonito, para cortejar em seu lugar a mulher que ama, Roxane) deu certo porque não foi tão fiel ao original de Rostand.
- Havia uma tradução para a língua portuguesa que era consagrada, a de Carlos Porto Carreiro. Era excelente, mas muito fiel ao original. E o Rostand escreveu "Cyrano..." em versos dodecassílabos alexandrinos. Não é uma coisa muito simples de fazer. O Rostand foi o criador, então foi fazendo sem nada antes. Se não dava certo de um jeito, fazia de outro, e aí fica fluente, porque há liberdade. Quando você vai traduzir, já existe algo antes, que é o original. Quem traduz tem menos liberdade - explica Gullar, continuando com uma risada: - Só que eu quis a liberdade de Rostand.
Nas sua "infidelidade" ao original de Rostand, Gullar não usou versos dodecassílabos, mas decassílabos, "verso bem mais fluente na língua portuguesa".
- Além disso, o cara que está na plateia não sabe se a rima está caindo no fim, no meio ou no começo do verso, então eu só rimei onde dava naturalmente para isso, em vez de rimar onde o original rimava. Resumindo o angu: pus a fluência da fala acima de tudo. Tive que ser infiel para ser fiel - completa Gullar. - Quando você vai de uma língua a outra, se tiver fidelidade à forma, vai subestimar o conteúdo. Mantive-me fiel ao conteúdo. Sem dúvida, é uma das minhas melhores traduções.
Ferreira Gullar chegou a substituir poemas inteiros do texto de Rostand, como na cena em que Cyrano, escondido, declama um poema a Roxane, mas é o outro homem, Cristiano, quem aparece para ela.
- Inventei um poema ali. O do Rostand era de um romantismo defasado, antigo. Não teria apelo - conclui Gullar, que com Oduvaldo Vianna Filho escreveu o texto final em versos de "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", e diz que criar peças em verso é claramente mais difícil do que em prosa ("Você pode ser bom dramaturgo, inventar diálogos espontâneos, mas, se não souber manejar o verso, não sai"). - Procurei dizer os versos do "Cyrano" como um brasileiro diria.
O poeta ainda não viu ensaios da montagem atual, mas fez à produção uma única recomendação: que eles mantivessem as falas em verso.
- Esse foi meu maior desafio - conta o diretor de "Cyrano...", Renato Carreira.
Além da sua primeira direção de uma peça em verso, este é o primeiro espetáculo de um texto clássico feito por Carreira, mais acostumado a autores contemporâneos como o francês Novarina. Não bastasse tudo isso, ele ainda teve de preparar a peça em apenas 40 dias.
O resultado foi uma montagem mais contemporânea que tradicional. Renato Carreira enxugou a tradução de Ferreira Gullar, reduzindo-a de cerca de três horas e meia para uma hora e meia; investiu na linguagem corporal do elenco (a direção de movimento é de Anna Abbot) e em versos mais falados que declamados (a direção vocal é de Glorinha Beutenmüller); acrescentou projeções (o videodesign é de Paulo Severo); e pôs os atores junto com o público:
- Não é uma montagem clássica, tradicional. O primeiro ato, por exemplo, é no meio da plateia e na boca de cena, com as cortinas fechadas. Nossa intenção foi agilizar a obra.

Casa de Cultura Laura Alvim - Avenida Vieira Souto, 176 - Ipanema. Tel: 2332-2015. Estreia quin, 21h. Sex e sab, 21h; dom, 20h.

Temporada: de 1º de maio a 14 de junho. R$ 30

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