3.14.2009

O cravo e a canela de Gabriela

Lecticia Cavalcanti
Do Recife (PE)

No ano que celebrou {2008} os 200 anos do pão francês e da chegada, ao Brasil, da família real. Os 100 anos da morte de Machado de Assis e do nascimento de Guimarães Rosa. E, também, os 50 anos do livro mais famoso de Jorge Amado: "Gabriela Cravo e Canela". Nele se conta a história de Nacib - um "brasileiro nascido na Síria, que sentia-se estrangeiro ante qualquer prato não baiano, à exceção de quibe". Dono do bar Vesúvio, procurava "uma boa cozinheira que entendesse de temperos e de pontos de doces". "Sabe cozinhar?", perguntou à moça, recém chegada do sertão. "O moço me leva e vai ver", respondeu ela. E foi assim que, "na pobre cozinha, Gabriela fabricava riquezas: acarajés de cobre, abarás de prata, o mistério de ouro do vatapá".
Mais bolinhos (de bacalhau e de carne), carne-seca, caruru, efó, feijoada, frigideira (de bacalhau, camarão, siri-mole), galinha de cabidela (o primeiro almoço que preparou para Nacib), molhos de pimenta, moqueca de peixe, sarapatel. Também banana frita, batata doce cozida, beiju de tapioca, bolo (de tapioca, de aipim, de milho), cuscuz (de milho, de puba), doce de banana de rodinha, macaxeira cozida, mingau de puba, inhame e milho cozido. Só que, além de boa cozinheira, Gabriela tinha "o cheiro do cravo e a cor de canela".
Só para lembrar, Cravo (Syzygium aromaticum) é natural das Ilhas Molucas (Indonésia) e de Zanzibar (costa leste da África). Já falava nele Plínio, O Velho, em seu Naturalis Historia - um vasto compêndio das ciências antigas, em 37 volumes, dedicado a Tito Flavio, futuro Imperador de Roma. Para ele, esse cravo-da-Índia era "semelhante a grão de pimenta, só que mais comprido". Dos caminhos dessa especiaria nos dá conta a historiadora francesa Catherine Clément, em Por Amor à Índia: "Na Idade Média, apreciadíssimo pelo Ocidente, o cravo navegou das Molucas a Java, de Java à Índia, e da Índia a Veneza". Acabou consagrado, pelos portugueses, como se fosse da Índia mesmo. O botão de sua flor, bem seco, desde a antiguidade tem muitos usos. Como remédio - por ser analgésico, anti-séptico e digestivo. Na fabricação de fumo e perfumes. Também, mais recentemente, como ingrediente de repelente caseiro contra a dengue - numa infusão que mistura 1 litro de álcool (92º) mais um pacote desse cravo-da-Índia. E, sobretudo, na culinária - em doces (compotas, bolos, pães, pudins) e salgados (presunto, porco, cozidos, sopas).
Já Canela (Cinnamomum zeylanicum, por conta da forma que toma a casca depois de seca, deve o nome a canne (cana) - assim era conhecida em francês antigo. Seus primeiros registros remontam à China (canela-da-China) e ao Sri Lanka (canela-do-Ceilão) - as duas espécies que se cultivam hoje no Brasil. E tanto foi seu prestígio, nos tempos antigos, que até chegou a merecer citação na Bíblia: "Teus rebentos são como um bosque de romãs com frutos deliciosos: com ligústica e nardo, nardo e açafrão, canela e cinamomo com todas as árvores de incenso, mirra e aloés, com os bálsamos mais preciosos" (Cântico dos Cânticos 4, 13-14). Em 1505, os portugueses tomaram o Ceilão e ganharam, de presente, o monopólio da canela - então revendida, na Europa, a preço de ouro. A casca da árvore, depois de seca, é tratada e usada em pedaços inteiros (para aromatizar caldos) ou triturada e transformada em pó; sendo assim, usada como ingrediente do arroz doce, bolos, canjica, cartola, doces em calda, mingau, papa, pão, picles e pratos salgados.
O resto dessa história todo mundo conhece. Nacib se apaixona por Gabriela, e faz "o casamento mais animado de Ilhéus". Ele de azul marinho, ela de azul celeste. Mas infeliz com a nova vida, trai o marido, o casamento é anulado e deixa a casa. Só que o pobre Nacib "não sabia mais viver sem o almoço e o jantar de Gabriela". Razão por que aquela morena, com cheiro de cravo e cor de canela, volta a ser sua cozinheira e
sua amante. E assim "termina a história de Nacib e Gabriela quando renasce a chama do amor de uma brasa dormida nas cinzas do peito".
RECEITA: ACARAJÉ
Ingredientes:
1 kg de feijão fradinho
1 kg de cebola
1 cebola para fritar
Sal e Azeite de dendê
Preparo
- Bata o feijão seco no liquidificador (para quebrar os grãos) e deixe de molho. Escorra e lave o feijão, retirando toda a casca. Passe então novamente no liquidificador. Rale 1 kg de cebola e reserve;
- Coloque a massa de feijão em um caldeirão, junte cebola ralada e sal. Bata bem;
Em frigideira, esquente bastante azeite de dendê. Coloque uma cebola inteira. Com duas colheres de sopa (molhadas em água), molde os acarajés e jogue no azeite quente. Depois de fritar um lado, vire e frite o outro;
- Pode ser servido puro ou cortado ao meio, recheado com vatapá ou molho de camarão seco.

Lecticia Cavalcanti coordena o caderno Sabores da Folha de Pernambuco, escreve na Revista Continente Multicultural e no site pe.360graus.

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