9.30.2009

                          ,
Fã do Brasil, Werner Herzog ri da loucura em 'Bad lieutenant'
Rodrigo Fonseca
RIO - Cansaço é uma sensação desconhecida pelo diretor alemão Werner Herzog, que anda ansioso para saber como os cariocas vão reagir a "Bad lieutenant: Port of Call New Orleans", em exibição hoje, às 15h10m e às 21h50m, no Estação Vivo Gávea 5, no menu do Festival do Rio.
- Nos últimos 11 meses, eu finalizei os longas-metragens "Bad lieutenant", com Nicolas Cage, e "My son, my son, what have ye done", e o curta-metragem "La bohème", para exibi-los no Festival de Veneza, no início de setembro. Fiz ainda uma tradução para o inglês do livro "Conquest of the useless: reflections from the making of Fitzcarraldo" (um diário lançado na Alemanha em 2004 sobre o filme que rodou em 1982 na Amazônia) e trabalhei como narrador do curta "Plastic bag", de Ramin Bahrani. Ainda arrumei tempo de fundar uma curso de cinema (Rogue Film School, em Los Angeles) que está selecionando alunos - orgulha-se o cineasta de 67 anos. - Criando, eu não me canso. Filmo, às vezes, das 14h às 3h, mas não esgoto a equipe, porque resolvo tudo com eles de maneira concentrada. Em um set, eu só filmo o que é essencial.
referências ao "cult" de Ferrara
Ao telefone com O GLOBO, intercalando reflexões em inglês com frases em um português de tempero germânico, Herzog é gentileza pura.
- Não fique me falando muito do seu país porque meu coração dói de saudades dos meus amigos brasileiros. Estou procurando um argumento que me permita filmar aí. Ou mesmo encenar uma ópera - diz Herzog, que montou "Tannhäuser", de Wagner, no Teatro Municipal do Rio em 2001. Entre os amigos de que mais sente falta no Brasil, Herzog destaca o diretor Ruy Guerra, que trabalhou como ator em seu "Aguirre - A cólera dos deuses" (1972).
- Ruy é um grande diretor. Queria saber como ficou "Veneno da madrugada", o último filme dele.
Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 1974 por "O enigma de Kaspar Hauser", Herzog teve poucos dias para arrancar de Nicolas Cage a atuação mais perturbadora de sua carreira. Em "Bad lieutenant: Port of Call New Orleans", Cage é Terence McDonagh, um policial que anestesia suas fortíssimas dores de coluna viciando-se em drogas e jogo. Desde que iniciou o projeto, Herzog corrige quem diz que o filme é um remake do thriller "Vício frenético" (1992), de Abel Ferrara, também batizado de "Bad lieutenant" nos EUA.
- Nunca vi o longa de Ferrara. Quando as produtoras (Nu Image e Millennium Films) me convidaram para o projeto, eles compraram só os direitos para usar o título "Bad lieutenant" e a premissa do policial viciado. Desde o começo, eles não queriam um remake. O filme que eu fiz é avesso aos clichês de Nova Orleans no cinema, como o French Quarter >ita<(bairro de maior influência francesa na cidade), o vodu, o jazz. Preferi investir na tese de que Nova Orleans seria uma espécie de Sodoma e Gomorra dos EUA, por fugir das castrações morais habituais do país, com sua mistura cultural de tradições negras e francesas - diz Herzog, que concorreu ao Oscar de melhor documentário este ano com "Encounters at the end of the world".
Previsto para estrear em 2010, "Bad lieutenant: Port of Call New Orleans" já levanta apostas para uma possível indicação ao Oscar para Cage, que lava a plateia às gargalhadas mesmo na cena em que tortura uma velhinha ou delira com a visão de iguanas. A comparação entre Cage e Klaus Kinski (1926-1991), ator com quem Herzog tinha uma tortuosa relação, tem sido inevitável.
- Rodei "Bad lieutenant" correndo, em 22 dias, para aproveitar a janela de disponibilidade na agenda de Cage. Só topei o projeto porque era ele. Há quase 30 anos, eu acompanho a carreira de Cage. Ele faz meu longa parecer o filme americano mais engraçado desde "Um tira da pesada". "Bad lieutenant" faz rir mais do que comédias com Eddie Murphy porque seu protagonista é um homem mau. Mau não no sentido da perversidade, mas no da falta de limite. Há alegria na maldade. A maldade liberta.
Desde que lançou "O homem urso", em 2005, voltando a mobilizar a atenção dos críticos, Herzog passou a ser tratado como um cronista da loucura nos cinemas.
- Alguns dizem que a liberdade que busco na maldade é loucura. Aliás, há anos as pessoas me perguntam sobre o lugar da loucura em meus filmes. Mas não consigo criar a partir de abstrações como essas. Tudo o que eu sei de Terence McDonagh é que ele encarna a realidade de Nova Orleans, cidade talhada para filmes noir, um gênero que brota em tempos de incertezas. E não há incerteza maior do que uma crise financeira como a que enfrentamos hoje - diz Herzog. - Não é por acaso que o filme com mais cara de cinema noir dos últimos anos, por falar de ambiguidade e por mostrar uma visão sinistra dos EUA, foi "Batman - O Cavaleiro das Trevas". Mais do que um grande filme, Christopher Nolan nos deu um sinal de alerta. Três filmes alemães vistos em 20 anos
Desatualizado com o cinema da Alemanha - "Se eu vi dois ou três filmes alemães em 20 anos, foi muito", confessa -, Herzog, que trabalha em Los Angeles, vê com otimismo a troca presidencial dos EUA.
- A América se autorregenera. Quando o país sofria com a política de caça às bruxas de Joseph McCarthy, veio Kennedy trazendo a liberdade. Aí, Kennedy foi assassinado, a euforia baixou, e surgiu Nixon. São altos e baixos. Depois de oito anos de Bush, vem Obama com novas propostas, um novo olhar - diz. - Enfim, esta é uma terra capaz de regenerar suas feridas políticas.
Até o fim do Festival do Rio, "Bad lieutenant: Port of Call New Orleans" terá mais três sessões: amanhã, às 13h30m e às 18h, no Estação Ipanema; e no dia 1, às 22h15m, no Estação Barra Point.

Nenhum comentário: