6.08.2009

'Pasquim' celebra 40 anos de sua primeira edição com livro que relembra capas históricas


Ricardo Calazans

RIO - O 'Pasquim' viu a luz do dia num período de trevas. A primeira edição do jornal carioca foi para as bancas no dia 26 de junho de 1969, em pleno "regime de exceção" (leia-se prisões, torturas e "desaparecimentos" de opositores) da ditadura militar brasileira. Em sua estreia, 'O Pasquim' estampou uma foto preto-e-branca e sem foco do colunista social de O GLOBO Ibrahim Sued e a primeira de uma série única de provocações políticas e comportamentais: "Aos amigos, tudo; aos inimigos, justiça". Este mês, chega às livrarias, em papel bem mais chique que os das edições originais, "O Pasquim - 40 anos!" (Desiderata, 40 páginas, R$ 39,90), compilação de 80 capas emblemáticas do carioquíssimo "jornaleco", bem-vinda "má influência" na imprensa brasileira a partir dos anos 70.
Veja capas históricas do 'Pasquim' e desenhos de Jaguar, Ziraldo, Millôr...
- O nosso negócio era ser do contra - relembra Jaguar, um dos abusados editores do 'Pasquim', num dos textos de apresentação do livro. - Contra a ditadura, contra as capas (não confundir com contracapa) e a linguagem solene dos jornalões no final dos anos 1960.
"O Pasquim" era dado a manchetes sensacionalistas, como a da edição 105. Em letras garrafais, o jornal garantia: "Todo paulista é bicha". Na edição 151, o título da capa, "Homem é uma delícia", foi encaixado dentro da bocarra de Elke Maravilha. A atriz Leila Diniz e a transsexual Rogéria também garantiram boas vendas com a instigante série de "entrevistas coletivas". "O Pasquim" também lucrava com as ilustrações "sujas", os palavrões escritos sem cerimônia e a coragem para cutucar temas como a morte de Salvador Allende no Chile, o escândalo de Watergate em Washington e as (abuso supremo) truculências dos militares brasileiros, sempre por um ponto de vista inusitado. Nada escapava a seus desenhos e textos mordazes.

Rapidamente, a originalidade e humor do jornalismo feito pelo "Pasquim" tornou-o sucesso de público e alvo preferencial da censura - que Jaguar e outro de seus editores, Ivan Lessa, tratavam de driblar na base da conversa. O militar Juarez Paz Pinto, pai da "garota de Ipanema" Helô Pinheiro, geralmente aceitava os argumentos dos jornalistas, mas depois de sua destituição, em 1973,eles tiveram que quebrar ainda mais a cabeça para aprovar textos de gente como Sérgio Augusto e Paulo Francis ou de "convidados" como Chico Buarque e Rubem Fonseca. O time à frente do jornal ainda incluía Ziraldo, Millôr Fernandes e Henfil, integrantes da equipe de editores nos primeiros e influentes anos do "Pasquim". A fase que o jornal atravessou neste período intransigente da ditadura está compilado na terceira série da "Antologia O Pasquim" (Desiderata, 376 páginas, R$ 79,90), que também chega às livrarias em junho.
- Na verdade influenciávamos o Brasil inteiro, porque não vivíamos no Brasil, vivíamos no Rio de Janeiro, ou melhor, em Ipanema - escreve Millôr no livro, antes de listar as várias trocas de endereço do "Pasquim". - Na verdade estávamos fugindo mais do fisco, da burocracia, do que do aparelho repressor armado - explica Millôr, que criou uma capa especialmente para a compilação.

Sérgio Augusto, em mais um texto escrito para o livro, analisa as razões de "O Pasquim" ter se tornado este fenômeno - ele conta 1.072 edições em seus "22 anos de (r)existência".
- E nesses quarenta anos não surgiu outro "Pasquim". Por quê? Porque o Brasil e o mundo mudaram; aliás, até o universo mudou (Plutão ainda era um planeta em 1969, lembra?); a ditadura militar caiu; a censura acabou; a grande imprensa absorveu parte dos encantos, da linguagem solta (inclusive os palavrões) e dos profissionais (por assim dizer) do "Pasquim".

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