6.14.2009

'Na cabeça'


Marcos Sacramento reúne em CD violonistas em torno de repertório inédito, clássicos e raridades

Leonardo Lichote

RIO - Quando os violonistas Luiz Flávio Alcofra, Zé Paulo Becker e Rogério Caetano fizeram o primeiro ensaio para o novo CD do cantor Marcos Sacramento, "Na cabeça" (Biscoito Fino), havia apenas um arranjo pronto, de Caetano: "Último desejo", de Noel Rosa, para os três violões. Becker lembra:
- O arranjo era cabeleira! Não era fácil, não. Fui para casa e pensei: "Ah, é? Vocês vão ver" - brinca.
Becker, portanto, caprichou, assim como Caetano e Alcofra. Os três dividem os arranjos do disco de Sacramento e são seus únicos instrumentistas. Ou seja, "Na cabeça" é um CD de apenas voz e violões - formato que já rendeu bem com artistas como Ney Matogrosso e Cássia Eller.
Ouça 'Na cabeça', do disco
"Apenas", é claro, é modo de dizer. Sacramento - com seu canto que une ritmo, força e malícia - é uma das grandes vozes de sua geração. E os três músicos são prestigiados representantes do violão brasileiro contemporâneo, fruto da revalorização e renovação do choro a partir do fim dos anos 1980. Seus nomes estão em grupos como o Trio Madeira Brasil e o Água de Moringa, além de terem CDs solo e participação em projetos de artistas que vão de Elza Soares a Maria Bethânia, passando por Zeca Pagodinho.
- O formato de violões e voz não é novidade, mas nossa viagem é particular - avalia Sacramento. - Tocar um repertório voltado para o samba sem ter os instrumentos de ritmo é um desafio. Mas fiquei tranquilo, pois tinha a mão direita deles.
Para Caetano, a atuação da mão direita que se ouve em "Na cabeça" é característica da escola brasileira de violão:
- A necessidade de segurar o ritmo é própria do nosso violão, assim como as cordas soltas, que soam livremente.
A herança de mestres como Baden Powell, Dino Sete Cordas, Meira e Raphael Rabello é citada na conversa - ao lado das lições dos contemporâneos Marco Pereira, Yamandú Costa e Maurício Carrilho. Na opinião de Sacramento, estão todos lá, de alguma forma.
- É um disco que soa natural, mas tem coisas de dificuldade enorme, não dá para ter cifra no encarte. É tipo: "Não façam isso em casa, é só para profissionais". Apesar de não ter aquela postura de "olha como a gente toca paca", ele traz a sofisticação de tudo o que foi incorporado pelo violão brasileiro nas últimas décadas. Porque há uma evolução clara, o violão de Sinhô não é o que se toca hoje, há outros caminhos, levadas.
Para chegar ao resultado que se ouve em "Na cabeça", eles se lançaram numa pesada rotina de ensaios, que os permitiu gravar ao vivo, os quatro juntos no estúdio. Os arranjos foram pensados para que o trio não misturasse suas cordas. O sete cordas de Caetano sustenta a baixaria (o fraseado das cordas graves do instrumento), enquanto Becker e Alcofra se alternam entre as regiões médias e agudas. O produtor Carlos Fuchs separou os três na mixagem: Alcofra é ouvido no lado esquerdo; Becker, no direito; e Caetano, ao centro, nas duas caixas.
Acompanhado dos violões, Sacramento imprime sua interpretação a sambas inéditos, canções garimpadas e regravações de clássicos. Há cinco composições dos artistas envolvidos no projeto: "Na cabeça" (Alcofra e Sacramento), "Um samba" (Fuchs/Sacramento); "Calúnia" (Alcofra); "Canto de quero mais" (Becker e Moyseis Marques); e "Pavio" (de Alcofra e Sérgio Natureza), uma homenagem a Paulinho da Viola. As sílabas "pa" e "vio" são as primeiras do nome do sambista.
- Natureza fez a letra para Paulinho musicar, mas ele achou delicado, por se tratar de uma homenagem a ele - conta Alcofra, que fez um samba-choro nos moldes de obras de Paulinho (a introdução remete a "Choro negro").
Cartola ("Sim") e Noel Rosa ("Último desejo") são recriados com naturalidade - sem descaracterização, mas tampouco reverência excessiva.
- Não tivemos a preocupação de torná-las irreconhecíveis. Quisemos apenas retomá-las com frescor - diz Sacramento. - Aqui no Brasil vejo um preconceito com os clássicos na música, o que não acontece no teatro. Quando gravei "Memorável samba" (CD de 2003, apenas com sambas dos anos 1930 aos 50), cheguei a ouvir: "Mas não tem nenhuma sua?". Como se o cantor precisasse compor. Há essa ideia aqui. E a figura do intérprete? Outro dia vi uma jovem cantora dizer que agora ia começar a compor. Como assim? Não funciona desse jeito.

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